IDÉIAS E COLÓQUIOS NA QUARENTENA
IDÉIAS E COLÓQUIOS NA QUARENTENA
Naquela tarde sempre quente, numa cidade interiorana da velha Bahia, José(a) foi ao supermercado.
Ali, adentrou apressado, mas ainda tinha sua máscara de proteção ao covid.
De repente, começa um colóquio com o atendente(b):
- (a) Homem, tô chateado com as atitudes irresponsáveis do nosso Presidente. Ele não tá dando exemplo de precaução com a transmissão do contágio;
- (b) Sou da opinião que a culpa é dos governantes da Bahia, São Paulo e Rio. Afinal, eles brigaram para fazer o Carnaval;
- (a) Ôxe, Man! Mas o carnaval foi em fevereiro, quando não havia pandemia. Só sabíamos que havia uma epidemia na China. Nem a Itália tinha casos. Foi carnaval em tudo quanto é lugar!
- (b) Éhhh… eu não gosto de falar de política. Eu não concordo com isso tudo que tão fazendo;
- (a) Então não vamos mais falar disso, já que você não tá olhando pro mundo;
- (b) Isso mesmo! Pra mim, quem tem razão é meu Presidente.
Assim, José se viu entristecido, pois não entendia a cegueira política que atingia os afetados defensores de um patriotismo violento, sectário ou louco.
Pegando sua compra, saiu discutindo silenciosamente consigo próprio, sobre o que pode ter havido com o povo brasileiro.
José cresceu ouvindo dizer que o brasileiro é o povo mais tolerante, alegre e festivo. Mas ele tem visto tudo diferente: o povo está intolerante!
Ele aproveitou para conversar com os que já se foram, nas figuras de parentes e personalidades que viveram em tempos idos. Ali, num repente mediúnico, questionou às sacerdotisas gregas e romanas, o que estava ocorrendo com pessoas que, muito à frente no tempo, ainda perfilam suas atitudes e caráteres no limiar das tragédias e barbarismos de outrora, onde o circo não tinha palhaços, mágicos ou até malabaristas, mas sim o morticínio de nossos semelhantes, imolados pela espada ou fogo.
Depois de vagar pelas ruas, José chegou na casa dos pais, e perguntou à sua mãe(c):
- (a) Mãe, a senhora sempre falou da dureza dos tempos antigos, sem acesso às benesses, à saúde pública e à liberdade de expressão. Além disso, havia uma tirania explícita?
- (c) Meu filho, você lembra das histórias dos coronéis da república velha? Não há diferença no nosso momento, apenas as vestes e o tempo.
Então, José precisou de silêncio, que só foi quebrado pelo estalo do televisor, anunciando o momento de pandemia que atinge o mundo, no terceiro milênio da nossa era histórica.
E ele voltou à discussão com suas sombras, mas agora no campo das idéias, e ficou se perguntando: como seria viver em pleno período das guerras gregas e romanas, ou mesmo se deparando com a tirania de Roma ante Cartago, cujo pecado era ser um centro comercial fenício de excelência, sem buscar conflitos que não ajudassem ao comércio?
E como resposta, vieram evasivas, como aquelas do mercado, que mascaram a realidade, envolta nos sonhos e aspirações humanas.
De repente, chegou Pedro Estrela(d), que buscava falar sobre as coisas de antes.
- (d) E aí, cara, vamos vencer ou perder para um vírus?
- (a) Espero que sim, mas defendo a prudência, pois as vezes em que vi as pessoas inflamadas pelo ego, não foi nada bom.
- (d) Então, vamos temperar as relações humanas com esperança e amor. É de graça e depende de nós.
- (a) Mas, como iremos fazer isso, se tá tudo contaminado?
- (d) Ahhh! O segredo está em sermos sinceros e estarmos com vontade se dar um bom destino às nossas vidas.
Foi aí que vieram as falas espirituais de seus antepassados.
Sua tia Alice(e) surgiu e disse:
- Meu sobrinho, aprenda com os erros! Lembre dos retalhos que eu usava para fazer os colchões e as colchas das camas. Só foram possíveis com muita tolerância e resiliência, além de amor e fé.
Seu outro tio, o Otto(f), também falou:
- Lembre-se de como sempre esteve aberto a ajudar. Seja sempre luz, pois as trevas são só dor!
Já seu tio escritor, o Pedro(g), que sempre sonhava, mesmo estando nos devaneios intermináveis dos poetas, lhe disse:
- Quando o macaco sapeca quis enganar a raposa, não disse o que guardava na caixa de Pandora, pois a galinha manhosa usava o galo pra chocar os seus próprios ovos, que não querem raposas perto do galinheiro. Então, busque ser paciente como o jabuti, mas célere como a raposa, sem perder a astúcia do macaco.
E foi então que José finalmente entendeu, que não mais poderia limitar os seus dias aos décimos neurais, truncando suas idéias e os ideais, quando o Universo lhe espera pelos quintos ou mais, que poderão lhe trazer a certeza do perpetuar, do sobreviver ou do simples reproduzir, se conseguir atrelar seu zodíaco ao melhor que achar sob o Sol que corteja o destino.
Naquele instante, num lapso de tempo que não mediu, José percebeu que sua vida é mistério, até que o céu e o inferno lhe mostrem um critério ou um novelo que dê o endereço em que vai aportar, seja numa quarentena ou no fim do planeta, diante dos cometas que podem chegar.
Só assim é que José resolveu preparar o jantar, para depois descansar, pois amanhã será mais um dia, se ele acordar.
°°°
Poeta Braga Costa ©2020
P.S.: Conto publicado na coletânea "Histórias de Quarentena", com edição da Helvétia Editions, às páginas 169 a 172, ©2021.
IDÉIAS E COLÓQUIOS NA QUARENTENA
Naquela tarde sempre quente, numa cidade interiorana da velha Bahia, José(a) foi ao supermercado.
Ali, adentrou apressado, mas ainda tinha sua máscara de proteção ao covid.
De repente, começa um colóquio com o atendente(b):
- (a) Homem, tô chateado com as atitudes irresponsáveis do nosso Presidente. Ele não tá dando exemplo de precaução com a transmissão do contágio;
- (b) Sou da opinião que a culpa é dos governantes da Bahia, São Paulo e Rio. Afinal, eles brigaram para fazer o Carnaval;
- (a) Ôxe, Man! Mas o carnaval foi em fevereiro, quando não havia pandemia. Só sabíamos que havia uma epidemia na China. Nem a Itália tinha casos. Foi carnaval em tudo quanto é lugar!
- (b) Éhhh… eu não gosto de falar de política. Eu não concordo com isso tudo que tão fazendo;
- (a) Então não vamos mais falar disso, já que você não tá olhando pro mundo;
- (b) Isso mesmo! Pra mim, quem tem razão é meu Presidente.
Assim, José se viu entristecido, pois não entendia a cegueira política que atingia os afetados defensores de um patriotismo violento, sectário ou louco.
Pegando sua compra, saiu discutindo silenciosamente consigo próprio, sobre o que pode ter havido com o povo brasileiro.
José cresceu ouvindo dizer que o brasileiro é o povo mais tolerante, alegre e festivo. Mas ele tem visto tudo diferente: o povo está intolerante!
Ele aproveitou para conversar com os que já se foram, nas figuras de parentes e personalidades que viveram em tempos idos. Ali, num repente mediúnico, questionou às sacerdotisas gregas e romanas, o que estava ocorrendo com pessoas que, muito à frente no tempo, ainda perfilam suas atitudes e caráteres no limiar das tragédias e barbarismos de outrora, onde o circo não tinha palhaços, mágicos ou até malabaristas, mas sim o morticínio de nossos semelhantes, imolados pela espada ou fogo.
Depois de vagar pelas ruas, José chegou na casa dos pais, e perguntou à sua mãe(c):
- (a) Mãe, a senhora sempre falou da dureza dos tempos antigos, sem acesso às benesses, à saúde pública e à liberdade de expressão. Além disso, havia uma tirania explícita?
- (c) Meu filho, você lembra das histórias dos coronéis da república velha? Não há diferença no nosso momento, apenas as vestes e o tempo.
Então, José precisou de silêncio, que só foi quebrado pelo estalo do televisor, anunciando o momento de pandemia que atinge o mundo, no terceiro milênio da nossa era histórica.
E ele voltou à discussão com suas sombras, mas agora no campo das idéias, e ficou se perguntando: como seria viver em pleno período das guerras gregas e romanas, ou mesmo se deparando com a tirania de Roma ante Cartago, cujo pecado era ser um centro comercial fenício de excelência, sem buscar conflitos que não ajudassem ao comércio?
E como resposta, vieram evasivas, como aquelas do mercado, que mascaram a realidade, envolta nos sonhos e aspirações humanas.
De repente, chegou Pedro Estrela(d), que buscava falar sobre as coisas de antes.
- (d) E aí, cara, vamos vencer ou perder para um vírus?
- (a) Espero que sim, mas defendo a prudência, pois as vezes em que vi as pessoas inflamadas pelo ego, não foi nada bom.
- (d) Então, vamos temperar as relações humanas com esperança e amor. É de graça e depende de nós.
- (a) Mas, como iremos fazer isso, se tá tudo contaminado?
- (d) Ahhh! O segredo está em sermos sinceros e estarmos com vontade se dar um bom destino às nossas vidas.
Foi aí que vieram as falas espirituais de seus antepassados.
Sua tia Alice(e) surgiu e disse:
- Meu sobrinho, aprenda com os erros! Lembre dos retalhos que eu usava para fazer os colchões e as colchas das camas. Só foram possíveis com muita tolerância e resiliência, além de amor e fé.
Seu outro tio, o Otto(f), também falou:
- Lembre-se de como sempre esteve aberto a ajudar. Seja sempre luz, pois as trevas são só dor!
Já seu tio escritor, o Pedro(g), que sempre sonhava, mesmo estando nos devaneios intermináveis dos poetas, lhe disse:
- Quando o macaco sapeca quis enganar a raposa, não disse o que guardava na caixa de Pandora, pois a galinha manhosa usava o galo pra chocar os seus próprios ovos, que não querem raposas perto do galinheiro. Então, busque ser paciente como o jabuti, mas célere como a raposa, sem perder a astúcia do macaco.
E foi então que José finalmente entendeu, que não mais poderia limitar os seus dias aos décimos neurais, truncando suas idéias e os ideais, quando o Universo lhe espera pelos quintos ou mais, que poderão lhe trazer a certeza do perpetuar, do sobreviver ou do simples reproduzir, se conseguir atrelar seu zodíaco ao melhor que achar sob o Sol que corteja o destino.
Naquele instante, num lapso de tempo que não mediu, José percebeu que sua vida é mistério, até que o céu e o inferno lhe mostrem um critério ou um novelo que dê o endereço em que vai aportar, seja numa quarentena ou no fim do planeta, diante dos cometas que podem chegar.
Só assim é que José resolveu preparar o jantar, para depois descansar, pois amanhã será mais um dia, se ele acordar.
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Poeta Braga Costa ©2020
P.S.: Conto publicado na coletânea "Histórias de Quarentena", com edição da Helvétia Editions, às páginas 169 a 172, ©2021.