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(Imagem do Google)

Ouçamos os poetas

 
Texto publicado por Lima Barreto, em 1915:
"Correio da Noite, Rio, 19 de Janeiro de 1915.
As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas. Essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruições de imóveis. De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos. Uma arte tão ousada e quase tão perfeita como é a engenharia,não deve julgar irresolvível tão simples problema."


A solidariedade em Minas não há de se cessar, visto que as águas de março se anteciparam, causando tantos reparos, procrastinando sonhos tamanhos, ceifando vidas, contidas, sofridas. O conforto de minha morada sem alagamento, do alimento à mesa, meus livros conservados, incomodaram-me, precisaria fazer algo àquelas pessoas tão diversas e tão iguais a mim. Após acertado local, dia e horário, fui em busca de um cuidado, quiçá para mim mesma.

Quando cheguei, fui muito bem acolhida por três jovens risonhos, simpáticos e de uma simplicidade grandiosa, já haviam sentido no corpo e na alma qual o amplo sentido dos vocábulos, "viver à margem da sociedade". Ensinaram-me como  deveria organizar os alimentos na elaboração de uma cesta básica, repetindo algumas vezes que quando eu terminasse o meu trabalho, não era para pegar peso, eles colocariam as cestas nos caminhões a postos para distribuírem-nas   às vítimas das enchentes de Minas.

Olhava-os com admiração, ternura e ficava a pensar, educação vem mesmo do berço, da rede, da manjedoura, um gesto de delicadeza torna o ser humano mais sublime, aquece-nos tal qual uma prece. À proporção que ia manuseando os alimentos, pensava como seria o almoço de domingo daquelas famílias, o quê diriam as crianças ao se lambuzarem com um pedaço de goiabada, o pai tomando seu café quentinho, a gelatina de morango inspirando as brincadeiras infantis, o cheiro do alho ao refogar o nosso feijão mineiro, acredito que por alguns instantes haveria muitos casos para se contar, sem pestanejar.Em cada cesta fechada, pensava quais seriam os sonhos daquela família e vez por outra encontrava um pequeno espaço vazio, se tivesse avisado a  São Cosme e Damião, as balas coloridas não faltariam.

Terminei nesse dia meu trabalho, fui para casa com a sensação de que saí dali abastecida  e certamente voltarei quantas vezes forem necessárias.
 
"O Rio? É doce.
A Vale? Amarga."
(...)
"Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?"

Com a palavra, Brumadinho e  Mariana... 

 
Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 08/03/2020
Reeditado em 24/05/2021
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