Com Licença, Professor
(Um Conto Baseado em Fatos Reais)


Gabriel chegava atrasado quase todos os dias. Mas não era mais necessário dar explicações. Nelson Emiliano, o professor de Redação, já estava ciente: O carro da prefeitura municipal de Inajá que trazia os alunos da zona rural estacionava na porta da escola, rotineiramente, após o horário.
A lousa, como se dizia no interior-norte paranaense, certa vez, já estava cheia de frases: “O cavalo pula”, “O leão ruge”, “O rio corre”, etc e tal.
— Entre, Gabriel. Você já perdeu a metade da aula. Hoje estamos falando sobre a Redação Criativa. Vá depressa à lousa e escreva uma frase sobre um daqueles temas.
— Que tema, professor?
— O cavalo, o leão ou o rio.
— Mas eu não sei fazer frases criativas sobre o cavalo.
— Então faça sobre o leão.
— Sobre o leão eu não conheço nada.
— Nem sobre o rio?!
— Sobre o rio eu... Também não sei.
— Sabe sim. Você mora à beira do Rio Paranapanema e é um dos melhores alunos da classe. Ponha sua memória para funcionar.
Gabriel matutou, insistiu e respondeu:
— Eu não consigo.
— Não se desculpe e vá agora mesmo. Fizeram todos. Por que só você não haveria de fazer?
— Porque o senhor nos pediu frases criativas, e essas são todas banais.
— Banais por quê?
— Não sei, professor.
— Mas não sei não é resposta.
Uma aluna levantou-se da carteira:
— É porque são pobres iguais as bananas.
Todos riram. A aula virou uma piada. O professor pediu silêncio e fez o mesmo. Mas a turma continuou no alarido. Ovídio, o mais zombeteiro da classe, ludibriou:
— O que você queria dizer com esse palavrão idiota, hein?
— Nada!
Outro colega acirrou o escárnio:
— Aposto o quanto quiserem que ele não sabe o de disse.
Pronto. Enquanto Emiliano continuava de cabeça baixa, acertando o livro de chamadas ou corrigindo provas, a sala virava cassino. E alguém gritou lá do fundo da classe:
— Eu aposto o meu lanche do recreio!
Disse ainda outra menina:
— Aposto a minha borracha que ele não sabe mesmo.
Perguntou um terceiro:
— A minha bola-de-meia, quem quer apostar?
E assim foi o motejo. Quase todos participaram. Cada um apostou o que tinha. Houve mais contra que a favor. E Ovídio prontificou-se:
— Professor! Pede para ele explicar.
O professor levantou-se da cadeira:
— Explicar o quê?
— Aquilo que ele falou sobre as frases. Eu aposto a minha cabeça que ele não sabe.
Respondeu o professor:
— Chega de brincadeiras. Vamos ao que nos interessa. Leia a frase que você formulou.
— Ovídio olhou para o quadro e leu-a, orgulhosamente: “O leão tem juba!”
Emiliano ironizou:
— Eu juro que não sabia!
— O senhor está brincando.
— Não estou. Sente-se direito. E tenha mais cuidado com sua cabeça.
— Cuidado?! Por quê?
— Porque eu não apostaria nada na incerteza.
— Nem eu, professor!
O professor Emiliano olhou para o fundo da sala, interpelou-a e criticou:
— Eu só gostaria de saber onde está a vossa criatividade. Como disse o Gabriel,“essas frases são todas banais’. Elas não são ricas e nutritivas iguais as bananas. Seria melhor não escrevê-las.
De repente, a classe ficou em silêncio. Quase todos se calaram completamente. O esnobado continuava mudo. Mas logo depois ergueu a cabeça:
— Com licença, professor. Posso dizer algumas frases?
— Claro que sim. Aliás, você ficou me devendo. Mas uma só basta.
Gabriel observou toda a classe, rompeu aquele breve silêncio, e então citou esta metáfora:
— “Os leões caíram do cavalo e perderam suas jubas”. (FIM)

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