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                                         (Imagem do Google)
 Ajudei a construir São Paulo
 
A maior metrópole da América Latina , solidificada  por povos de várias nações e por migrantes de todos os rincões deste vasto país, teve  meu pai como um desses trabalhadores, sábios idealizadores!

Encontrava-se no ventre materno, quando seu pai faleceu. Passados alguns anos de seu nascimento, sua mãe casou-se novamente, não havendo afinidades com o padrasto, saiu de casa muito jovem, sozinho a enfrentar os desafios dessa vida, comovida. Nos anos 40, desceu  na Estação da Luz, ancorou meio receoso embora encantado com a imensidão daquele céu. Em São Paulo permaneceu por mais de duas décadas. Sua mãe ficara viúva novamente envolta em mais filhos, ele já quase adulto  e trabalhando , conduziu toda a família para São Paulo. Naquela época segundo ele,  a vida era menos atribulada e não carecia de tanto para se viver. Regressava sempre que podia ao interior de Minas pois já conhecera minha mãe e logo, logo se casaram. Preconceito velado dos anos 50 em não dar boas vindas ao casal , ele nascera em uma família menos favorecida, ela vinda de lar abastado, moça de fino trato, estudou em colégios internos , as belas vestimentas e joias revelavam-se nos retratos em preto e branco que ainda hoje são guardados zelosamente.

Papai trabalhou na construção civil de São Paulo por décadas, fala com orgulho que era armador de ferragens , que não lhe faltava trabalho  devido à sua habilidade e esmero. Andava nos bondes desbravando e se afeiçoando àquele grande polo migratório do nosso país .  Nos poucos momentos de lazer, ia aos programas de auditório da Rádio Nacional, prestigiando os  grandes cantores da época. Sonhou em ser engenheiro civil, embora não pudesse realizar tal sonho devido às condições financeiras, havia outras prioridades, seria um exímio engenheiro por tamanha habilidade e minuciosidade.  Apesar de ter cursado somente até a terceira série do longínquo grupo escolar, era um craque no que se refere aos números.

São paulo naquela época distanciava-se horas a fio  do interior de Minas onde moravam meus avós maternos, o tráfego aéreo e suas conexões davam passagem à Viação Cometa que transportava sonhos, encontros , abraços , lencinhos de tecidos ora para um adeus ora para aliviar os olhos seus . Por insistência afetuosa  dos avós maternos, confesso-lhes , pelo amor à neta mais velha, voltamos para Minas, eu com cinco anos , minha mãe esfuziante em regressar ao seu berço mineiro e meu pai com uma pontinha de tristeza ao deixar a cidade que um dia lhe acolhera e ele o fez por merecê-la.

Cresci ouvindo-o dizer a  todos que eu era paulistana pois nasci na capital. Eu respondia  brincando que quem nasce no estado é paulista ,  na capital, paulistana, sendo assim sou uma paulista paulistana .
Atualmente  com seus 93 anos, lúcido embora debilitado em seu leito devido a um  enfisema pulmonar, continua reverenciando São paulo, fala um pouco de cada bairro e das  ruas por onde passou, dizendo com os olhos marejados:
-Ajudei a construir São paulo!
Concordo orgulhosamente com ele em um gesto facial, certamente em alguns arranha-céus da maior cidade da América Latina ficaram marcas do seu trabalho cuidadoso, honroso.

Sou a paulistana mais mineira que conheço, do sotaque aos costumes, do feijão tropeiro e seus cheiros, das montanhas e suas manhas.
Quanto orgulho desse velho pai, a ele não foi dado o direito de se tornar um engenheiro civil, embora o veja tão primoroso quanto o mestre João- de- barro, sólido botão no jarro!


P.S. O saudoso Adoniran faz-me lembrar São Paulo.
Adoniran Barbosa - O trem das onze
https://www.youtube.com/watch?v=ceBdGz3eTFg

 
Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 30/09/2018
Reeditado em 30/07/2020
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