Amissíssimas
Mulheres de sucesso, são três amigas executivas quase inseparáveis. Amizade quase pura e honesta. Quase, porque segundo os pessimistas e conspiradores da pólvora, a relação humana é um barril prestes a transbordar. Excluindo as falácias, que constatadamente não é caso aplicável às amigas, todavia, quase porque devido a rotina cotidiana de cada uma, se falam através das redes sociais facebook e instagran. Lá postam fotos de famílias, de reuniões com os filhos, netos e bisnetos. Passeios com os cães e gatos, não ficam de fora. Ter amigos quase sinceros, como elas dizem, é um barato. Uma necessidade nesses dias caóticos e conturbados.
No entanto, quando arrumam tempo, sempre reúnem-se duas a duas para um chá vespertino. Contam piadas, fofocam sobre a relação entre quatro paredes, riem da sordidez humana. Politizadas, reclamam das reformas propostas pelo governo. Em contrapartida, por serem bem arranjadas financeiramente, não pedem dinheiro emprestado uma para outra. Não necessitar uma da outra financeiramente, além de manter a amizade estável, é indício de longevidade. Nas duas ou três horas de êxtase, a felicidade estampa-lhes os rostos.
Raramente, ou nunca estão as três juntas na mesma mesa. Um enigma jamais desvendado e elas nem se interessam em desvendá-lo, porém, supõe-se que estando juntas, a primeira e a segunda, rompem o silêncio e detonam a terceira. A terceira e a primeira, esquentam as orelhas da segunda; e quando juntam a segunda com a terceira, a primeira sofre as consequências. Duas à duas, o impropério de palavras desmoronam toda e qualquer estrutura moral da amiga que estiver presente apenas em memória. Má memória.
Acreditam elas, - crença nunca revelada à três ao mesmo tempo, que três mulheres na mesma mesa, papeando juntas, tomando sorvete, costurando o trançado de nylon que cobre os litros de uísque dos bêbados, confabulando filosofias, compondo rimas da vida alheia, é muito arriscado. Controverso. É melhor serem amissíssimas de duas em duas, que inimizade à três. Sabem como ninguém, que mesas e cadeiras não falam uma letra, sequer.
No último encontro entre a primeira com a terceira, a primeira contou-lhe sobre a viagem que fizera. Acabara de chegar do continente europeu e dissera maravilhas da França, berço dos Direitos Humanos. Visitara museus, estivera no Louvre, fizera selfies em frente à Torre Eiffel. Confidenciou-lhe sobre a construção e os materiais empregados. Riqueza de detalhes e beleza das cidades visitadas é o que não faltou no encontro entre as duas. Feito o cerimonial, a terceira finalizou o encontro: "Quê inveja...; boa, claro. Estou envaidecida de você, amiga; mas um dia farei esse mesmo roteiro de viagem e quem vai silenciar-se para ouvir-me, será você. Aguarde"! E ambas sorriram, um sorriso sem muito brilho, porém de lábios realçados pela forte camada de baton colorido e dentes de porcelanato, alinhados com ligas metálicas. Com a cabeça da primeira apoiada no ombro da amiga, despediram-se com uma selfie.
Mulheres bem sucedidas e quase amissíssimas de mesma mesa de lanchonete em fim de tarde, de andado espigado em passarelas de shoppings, que pousam de óculos escuros e canga na areia fofa das praias isoladas para selfies, merecem carinho e respeito dos homens. Eu, além deste texto, apoio-as em plenitude. Vida longa a esses seres maravilhosos e renovadores da espécie humana.
Ainda mais sabendo que Amélias, donas de casa, prendas do lar, humilde cuidadora de filhos e amantes da simplicidade pertenceram a um tempo distante do presente, na via contrária, sobretudo, mulheres de estirpe como as descritas, são inovadoras, solícitas, elegantes, hodiernas e revolucionárias.
Rendo-me à aos tempos modernos; rendo-me às mulheres sem pátria e sem lar; rendo-me ao saber irrestrito e dominador desses seres. Não só as três executivas, fonte de inspiração e enredo do presente conto, mas salve todas as mulheres do planeta.