*Escapei Fedendo!

Escapei Fedendo

Quando ainda morava em Teresina, um dia consegui uma casa pela COHAB, no Conjunto Bela Vista I, recentemente construído. A família era grande para uma casa pequena, reclamava uma ampliação de imediato. Além disso, era-nos ainda mais urgente construir o muro em torno da casa. Comprado o material, deu-se início o serviço.

Num sábado à tarde, apareceu-me um sujeito em minha porta sem camisa, descalço, vestido numa calça comprida com as pernas arregaçadas até os joelhos, suado e sujo. Disse-me que eu poderia fazer um bom negócio e ainda tirá-lo de uma encrenca. Que ele tinha três milheiros de tijolos para construir sua casa e que, por falta de espaço, estavam armazenados num terreno de um amigo. Não tinha dinheiro no momento para iniciar sua obra e, para piorar, o amigo precisou do terreno e, por isso, ele teria que desocupá-lo. Não lhe restava alternativa, a não ser vender os tijolos. Assim, quase em desespero, estava vendendo-os por apenas CR$ 1.000,00 (mil cruzeiros). Ora, aquilo era uma “galinha viva por preço de galinha morta”, uma pechincha do outro mundo, pois esse valor representava 1/3 do preço real. Era pegar ou pagar, pois outra oportunidade daquelas não apareceria nunca mais. Ainda mais que ele estava com o caminhão parado junto aos tijolos para transportar, sem custos adicionais por isso.

O único problema era que eu não guardava em casas grandes quantias. Naquele tempo, o Banco Nacional estava emitindo os primeiros cartões de créditos da praça, onde aparecia a fotografia do cliente impresso, com o slogan: “dinheiro com a sua foto”. Ainda assim, isso era coisa para os burgueses. Por sua vez, os caixas eletrônicos existiam apenas no interior das agências bancarias e, muitas das vezes engoliam os cartões. Outro caso que não me favorecia era que eu não gostava de talões de cheques, por isso, optava sempre por depósitos em caderneta de poupança. Ora, sem dinheiro em casa e sem as facilidades de hoje, lamentei profundamente a perda de um grande negócio.

Com minha desistência, o trabalhador se foi. Mas como nesse tempo, muita gente estava por um motivo qualquer reformando as casas recebidas, não seria difícil encontrar alguém para abocanhar aquela mamata. Dito e feito, na quadra seguinte, o sujeito deu de cara com um Cabo do Exército, que também estava reformando sua habitação. Abordado sobre o negócio, o Cabo nem pensou duas vezes. Colocou o vendedor em seu fuscão e, juntos, desceram para pegar o material. No caminho, foram trocando informações sobre muitos assuntos e o militar disse ao rapaz que só lhe pagaria, quando os tijolos estivessem em sua porta, pois ele não andava com grana e os pagamentos eram sempre realizados por Elvira, sua esposa. Chegando ao local, lá estavam os tijolos e, pelo visto, bem mais que três milheiros.

Em frente o terreno ocupado com os tijolos, havia um bar. O dono dos tijolos, então, chamou o dono e ordenou que servisse uma cerveja para o Cabo e, baixinho, disse ao seu cliente que seria por sua conta. Em seguida, saiu do bar e foi buscar o caminhão para o transporte.

Retornemos um pouco no tempo. Enquanto, o cabo tomava sua cerveja muito bem aboletado, o vendedor, dizendo ir buscar o caminhão, na verdade pegou um táxi na outra esquina e retornou direto à residência de seu cliente ou, ou melhor, de seu pato. Como este havia tido o nome de sua mulher, o espertalhão já chegou bem familiarizado e dizendo:

- Dona Elvira, o Cabo Ferreira ficou lá contando os tijolos, enquanto tomava uma cervejinha, e me mandou aqui para a senhora me entregar CR$ 1.500.00 (mil e quinhentos cruzeiro), já que é a senhora que cuida das finanças da casa, ele gostou tanto dos tijolos que resolveu comprar ainda mais...

Sem desconfiar de nada, a mulher de Cabo colocou a importância na mão do sujeito e ele, prontamente, desapareceu. Foi essa a última vez que os dois se viram.

Sem saber de nada, o militar continuou tomando cerveja ate anoitecer, sem que o indivíduo retornasse. Chateado com a demora, teve que arcar com todas as despesas de cervejas e tira-gostos, para poder ir embora. Foi aí que ele ficou sabendo que o dono do bar não conhecia o tal camarada e nem sabia que os tijolos pertenciam a ele. Pagou a conta, entrou em seu carro e retornou puto da vida.

Assim que chegou em casa, sem o material e a “cara cheia”, a sua mulher, que já não estava gostando daquela demora, já foi logo despejando tudo de uma vez.

- Não estou acreditando que você gastou toda aquela grana com cachaça!

- Que grana, mulher? Está ficando lelé? O cara sumiu, não apareceu com o caminhão e como eu já estava danado da vida vim embora. Não sei onde ele se meteu! Que grana é essa de que você está falando?

Pronto, o angu estava posto! Depois de meia hora de discussão, concluíram que ambos tinham dançado debaixo do boi alheio. Com cara de palermas, sem dinheiro e sem tijolos, não tiveram nem coragem de fazer um registro na polícia. Na segunda-feira, ficamos sabendo do ocorrido no trabalho, pois nessa época eu trabalhava no Exército. Fora um plano muito bem estudado e que eu poderia ter sido a vítima. Na verdade, escapei fedendo dessa!

São coisas de minha terra.