ELA NÃO O AMAVA

Conheci Fabiano, outro dia, sentado num banco da praça. Vi-o de longe e achei que era uma pessoa triste. Aproximei-me e constatei que chorava.

Ele morava naquele banco havia uma semana, disse-me o vendedor do quiosque em frente.

Comprei um lanche e levei-o para ele, que só aceitou depois de muita insistência e porque, naturalmente, a fome lhe corroía as entranhas. Pedi licença, sentei-me a seu lado e ali fiquei, em silêncio.

Minha presença proporcionou-lhe algum conforto e segurança, tanto que desejou saber meu nome e sem que lhe perguntasse nada, foi desenrolando sua longa história, que nem sempre fora triste.

“Meu nome é Fabiano – começou – já tive uma bonita esposa e dois filhos, uma menina e um menino. A linda casa em que morávamos, felizes, foi construída com o esforço do meu trabalho numa grande empresa, onde, por vinte anos, fui um bem-sucedido executivo. Sofia, minha esposa, sempre teve tudo o quis e me amava. Meus filhos sempre estudaram em boas e caras escolas. Nada nos faltava. Há! Como eu era feliz! Nem de longe suspeitava que a desgraça rondava, invejosa, meu paraíso. A crise financeira, que se abatera sobre o país, não demorou por atacar, impiedosa, a empresa na qual exercia minha profissão, levando-a à beira da falência e eu fui demitido. Durante algum tempo, em que procurava outro emprego, nada contei à família; temia dar a notícia à Sofia. Para que nada faltasse em casa, fui fazendo retiradas da poupança e como a despesa não era pequena, Sofia gastava muito, em pouco tempo quase nada mais restava. Então, criei coragem e falei, omitindo, porém, a duração do tempo em que já estava sem emprego. Foi um choque para ela, que empalideceu, balançou negativamente a cabeça, saiu correndo e trancou-se no quarto. Quando voltou, umas três horas depois, encontrou-me ainda sentado no sofá da sala, na mesma posição em que me deixara. Ela estava com o rosto inchado, descabelada e os olhos vermelhos de chorar. Transtornada, estava.

- E agora, que será de nós, de nossos filhos, como sobreviveremos? perguntou, com a voz ainda chorosa, embargada na garganta.

- Fica tranquila, porque arrumarei um emprego ainda melhor - respondi, indeciso, sem acreditar em minhas próprias palavras – vou amanhã mesmo, bem cedo, distribuir currículos.

Não sabia ela, que essa tarefa espinhosa de procurar emprego e distribuir currículos era minha rotina havia um mês e já estava desanimado.

- Amanhã, de jeito nenhum – respondeu-me com impetuosidade e com um tom ameaçador, como jamais falara comigo – vai agora mesmo.

Aquele tempo, trancada no quarto, havia transformado-a, era outra Sofia e eu voltei para a rua, desalentado, cabisbaixo, sem saber o que fazer. Estava desorientado, triste, acovardado. Sentei-me aqui neste banco e chorei. Desnorteado, regressei para casa já noite e com medo de encarar minha esposa. Ela me esperava e não teve piedade, ao perceber, por minha aparência, que o resultado da busca fora infrutífero.

- Você está irreconhecível, um farrapo humano, arremedo do homem que sempre admirei e junto do qual vivi e fui feliz por vinte anos. Não te darei paz, enquanto não arrumares outro bom emprego, capaz de restabelecer nosso padrão de vida.

- O mercado de trabalho está complicado e o país em recessão. Empregos novos são escassos. Além do mais, estou com cinquenta e cinco anos, na disputa com os mais jovens, perco sempre. Até jovens com currículo menor que o meu, ganham de mim na disputa.

- Isso não serve como desculpa. Se tiveres vontade, se fores determinado, encontrarás. Durante vinte anos foste executivo numa empresa de renome, conheceste muitas pessoas importantes, vai procurá-las.

Ela, definitivamente, não ficaria do meu lado. O inferno se avizinhava.

A rotina desgastante, em que se transformara minha via-crúcis, à procura de emprego, consumia minhas últimas resistências. Já não tinha vontade de voltar para casa no final do dia e, covarde, comecei a beber. As agressões, por parte de Sofia, começaram, primeiro verbais e depois físicas. As palavras injuriosas não mais me atingiam, porque estava anestesiado, tanto pelo desânimo quanto pela bebida. Outro dia cheguei com cheiro de álcool e ela me expulsou aos grito e empurrões. Então, desesperei-me de verdade. Vim para este banco e percebi o quanto estava só. Perdera meu emprego e pior, minha casa e minha família. Agora não tenho mais para onde voltar, para quem voltar; não tenho mais por quem lutar. Perdi tudo e tenho cinquenta e cinco anos. Nestes dias em que fiz deste banco meu abrigo, tenho pensado sobre como será daqui para frente e encontrei duas alternativas: minha mãe, já velhinha, vive só, numa casinha humilde. Peço-lhe abrigo e tento recomeçar tudo do zero, ou permaneço aqui, torno-me morador de rua e permito que morram de vez minhas derradeiras esperanças, minha já combalida dignidade e aqueles sonhos teimosos, que insistem em não me abandonar. Por favor, ajude-me: qual caminho seguirei? ”

- Meu amigo, recomeçar é digno e sempre possível; não fujas da luta, por tanto. A alternativa, aconselho-te, é o caminho da volta à casa materna.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 26/10/2016
Reeditado em 26/04/2024
Código do texto: T5803303
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