PAMELA
A madrugada ía alta. Pamela abriu a janela de seu quarto, que dava para o quintal atrás da sua casa. Revestida de uma súbita coragem, colocou a mochila às costas e pulou para fora, sentindo a brisa fria lamber seu rosto branco. Fechou a janela atrás de sí e saiu caminhando devagar, sem fazer barulho, cruzando o terreno. Pulou a cerca, pisando no jardim do vizinho, e saiu correndo pelos quintais, coração desenfreado a bater no peito. Algum cachorro latia mais ao longe, denunciando a fuga, mas Pamela continuou a correr, sem olhar para trás, se escondendo pelas sombras e evitando a rua, até dar na estrada longe de sua vizinhança, contornada por postes de luzes que iluminavam as mariposas e mosquitos que vinham dançar ao seu redor, testemunhas insignificantes do seu louco ato.
Pamela caminhava ereta, com um leve sorriso nos lábios rosados e um sentimento de alívio a invadir-lhe o corpo miúdo. A mochila que carregava não lhe pesava nada. Continha algumas trocas de roupa, um velho diário e as cartas de Humberto... As cartas que relatavam o seu namoro com o jovem mecânico e o término repentino. Tudo ali, o nascer do relacionamento, a ascensão e o desfecho final, escrito com detalhes em cinquenta cartas que foram recebidas das próprias mãos sujas de graxa de Humberto, as mesmas que acariciaram seu corpo durante os seis meses do namoro secreto, era a sua companhia.
Pamela continuava a caminhar, carregando um estranho orgulho de sí mesma, como se fugir da casa dos pais, deixando pra trás escola, amigos e mesmo o Humberto, fôsse a sua melhor vingança contra a vida.
Dona Aurora, pessoa simples, mãe e esposa dedicada, mas pouco envolvida com o que ía no coração da filha adolescente, iria chorar e sofrer, com certeza. Seu Durval, o pai indiferente, preocupado com o trabalho mesquinho num banco da cidade, haveria de culpar a esposa pela desgraça. O irmão caçula, ainda pequeno em seus sete anos e em seus sonhos, perguntaria pela irmã, a Pam, como ele a chamava. Todavia, Pamela seguia em frente, determinada, sem olhar para trás, disposta a desafiar o próprio futuro, disposta a desbravar o que era desconhecido para ela e disposta a fazer o seu destino, visto que se cansara de esperar por ele.
Já quando o dia amanhecia, chegou na rodoviária da cidade vizinha Discretamente, comprou uma passagem para São Paulo com o dinheiro que guardara em um cofrinho que possuía desde muito pequena. O ônibus já se preparava para partir. Ela entrou rapidamente, olhando ao redor, com a desconfiança de quem foge. Ocupou um assento à janela e respirou fundo. Respirou o ar da sua cidade natal, onde nascera e crescera até agora, em seus dezessete anos. O ônibus partiu... lento, sorrateiro, enquanto o sol já vinha trazendo as primeiras cores ao céu, subindo tímido no horizonte à sua esquerda e, nesse exato momento, um grito, lá atrás, em sua casa, de sua mãe, anunciava o início de um pesadelo.