O PREÇO DA INDECISÃO

O pesado caminhão se mexia lentamente na estrada íngreme e esburacada. Tiago, sentado à beira da rodovia, à espera sabe-se lá do quê, observava. De repente, um solavanco mais forte atira para fora da carroceria um grande fardo. Tiago se aproxima e constata tratar-se de um fardo de tecido, do qual o veículo estava carregado. Grita e gesticula para o motorista que não para e ele fica ali, observando o pacote, sem saber o que fazer.

Não havia ninguém por perto, a quem Tiago pudesse pedir ajuda. Ninguém, além dele, testemunhara o acontecido, o que acaba favorecendo a decisão de pegar a carga, colocá-la sobre os ombros e rumar para casa, caminhando por uma trilha fora de uso, portanto livre de bisbilhoteiros.

Tiago é um homem honesto; jamais, em toda a sua vida, desejara algo quem não fosse fruto de seu árduo trabalho, mas estava desempregado há cinco meses e tinha três filhos, mais a esposa. Aquele rolo de tecido, que caíra em suas mãos e agora não tinha para quem devolver, já que o caminhão se fora, seria bastante útil. A esposa faria roupa para toda a família.

Pensando assim, vai caminhando; de repente, porém, estaca sobressaltado, fecha os olhos, aperta-os com força, abre-os, sacude a cabeça, como se, para aclarar as ideias e atira o fardo ao chão. Como pudera pensar em semelhante atitude? Aquilo não lhe pertencia. Como poderia dispor de algo que não era seu? Logo ele, que sempre fora honesto? Que ensinava aos filhos o caminho da honestidade? Todavia, por Deus, era pobre, sem emprego, o pacote caíra do caminhão bem na sua frente e o motorista não quis parar. Aquilo, portanto era seu. Ou não era?

Assim, pensando, desnorteado, chega em casa. Ele e a esposa, mais ponderada que ele, saberiam o que fazer.

Não souberam!

Os dois pensavam igual: se ficassem com o tecido, resolveriam um problema, mas criariam outro, quem sabe muito maior: o remorso. A consciência haveria de acusá-los permanentemente, por toda a vida.

Os dias foram passando lentamente, pesados de angústia; à noite já nem dormiam mais tranquilos e as discussões começaram; eles, que nunca haviam brigado, estavam brigando à toa.

Tiago decide ir à delegacia e contar tudo ao delegado. A autoridade haveria de compreendê-lo. Deixaria aquela porcaria lá e voltaria livre para casa. Era isso mesmo. Estava decidido.

- À delegacia não, protesta a mulher, o delegado não acreditará em ti, depois de tantos dias. Serás acusado de ladrão e irás para a cadeia. Vamos queimar esse pano e tudo ficará resolvido. Ninguém jamais saberá de nada.

- Nós saberemos, responde o marido. Se queimarmos, não ficaremos livres. A culpa nos perseguirá pelo resto de nossos dias. Farei como decidi, é o melhor caminho.

Dito e feito. Na delegacia, conta toda a história ao delegado e imediatamente sente-se aliviado. Dentro de alguns minutos voltaria para casa, tranquilo. Haveria de arrumar um emprego, mesmo um bico que fosse e compraria roupa para a esposa e filhos. Tudo estaria resolvido.

Sonho, apenas, porque a história que ouve o escrivão ler, no livro de registro de ocorrências, deixa-o estarrecido. Ele era um ladrão que assaltara um caminhão e roubara cinco fardos de tecido.

A descrição do criminoso, feita pelo motorista do veículo, não deixava dúvidas e a peça que ele trouxera confirmava. Teme por sua segurança e da família. Pensa no pedido da esposa, para que não fosse à polícia. Imagina-se dividindo um cubículo com marginais e desespera-se. Protesta, alega inocência, sempre fora honesto. Tudo inútil, porque o delegado está determinado a prendê-lo e diz que, se estivesse falando a verdade, se fosse honesto, teria ido à delegacia no mesmo dia em que o fato aconteceu. E onde estariam os outros fardos? Claro que estava mentindo, completa a autoridade e o prende.

Em casa, a esposa está apreensiva, cheia de maus pressentimentos. Vê o tempo escorrer à espera do marido e ele não aparece. Foi às nove e já são onze, dá meio dia e nada. Liga o rádio para ouvir o noticiário do almoço e ouve o que temia: “O bandido, assaltante do caminhão da transportadora Bem-te-vi, há uma semana, do qual levou cinco fardos de tecido, finalmente foi preso esta manhã”.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 28/06/2016
Código do texto: T5681573
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