Sábado, 4/6/2016
O velho carro de boi - Lembranças
Antonio Feitosa dos Santos
Em tempo de colheita, quase sempre cedinho eu acordava. O estridente chiado do carro de boi contribuía para o levantar de supetão. O chiado era produzido pelo roçar do eixo sobre uma vara que o fixava sob os dois cocais. Para gerar o chiado, passava-se no ponto de fricção do eixo com a vara, uma mistura de querosene com pó de carvão.
O carro de boi era construído de madeira lavrada. A madeira bruta era transformada em pranchas, pela ação do homem com um machado e depois com o auxílio da enxó, dava melhor acabamento. Duas grandes rodas feitas de madeiras, envoltas em arcos de ferro eram afixadas a um eixo de madeira forte sobre dois cocais.
No lastro do carro, furava-se de oito a doze buracos, quatro ou seis de cada lado, onde eram fincados de oito a doze sarrafos de madeiras de aproximadamente um metro e meio de altura, os fueiros. Assim compunha-se a estrutura básica do velho e bom carro de boi.
A época todo engenho tinha no mínimo um desse. Tinha também três ou mais juntas de bois, os melhores da invernada, eram treinados para puxar o carro, com as mais diversas cargas: sisal, cana de açúcar, lenha entre outras tantas.
Ao ouvir aquele ranger inconfundível, afastava os cobertores, pulava da cama e corria para fora, ainda com ares paco de antemanhã, abria a porta, saia para o terreiro e subia na pedra à beira do caminho de chegada, frente da minha casa, ficando a espreitar a passagem daquela geringonça, gostosa de ver, subindo lentamente a estrada de barro vermelho.
Na frente das juntas ia o carreiro, seu “Mané Vito”, com a vara de ferrão nas costas, chapéu de coro e roupa surrada. Vez por outra gritava com os bois pelo nome, mimoso, malhado, vira rolo, manhoso... Ôooo! Eles seguiam suas determinações ordeiramente.
Muito cedo e chiando alto, lá ia ou lá vinha o carro de boi ladeira abaixo ou ladeira acima.
Era embriagador aos meus olhos acompanhar a trajetória, até que se encobrisse por trás dos cajueiros, abundantes à época.
Após concluir a subida dos seixos, havia uma reta e logo estaria nas macaíbas, nome dado ao local onde existia algumas macaíbeiras, espécie de palmeira espinhosa, muito comum nas matas do brejo paraibano.
Em minhas lembranças, especialmente nesses dias, estava a transportar folhas de sisal, colhidas ao redor das macaíbeiras e levadas para motor de puxar agave, assim chamado o local de extração do sisal, instalado nos arredores do engenho.
No velho carro de boi transportava-se de quase tudo, inclusive pessoas. Viajavam segurando-se aos fueiros, fincados nas laterais do lastro do carro, para dar sustentação aos diversas produtos transportados por esse tipo de tração animal, as juntas de bois.
Vez por outra o seu “Mané Vito, parava na estrada para descansos dos bois, em seguida gritava pelo nome da junta dianteira, os puxadores, pintado, ôoo, Cristal, ôoo, vamos lá, Malhado, Vira Rolo, ô, ô, ôoo!
Dia após dia ia eu observando costumes, pessoas, animais e tudo o que a natureza e as pessoas mais velhas me propiciavam conhecer da minha terra. Somava a cada dia mais conhecimento, sem saber que no futuro repassaria a aqueles, que não tiveram a feliz ventura de acompanhar a evolução de um tempo, ou talvez a perda de identidade de uma época, deixada aquém de um chiado do velho e bom carro de boi.
Postado por Antonio Feitosa dos Santos
Em 4/6/2016 às 18h21
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(clique aqui) "O velho carro de boi - Lembranças" - 4/... "Não precisei de asas para voar - Cordel"... "O meu Brasil sem igual - Cordel" - 31/5... "Para não dizer que não falei do amor" -... "Autocrítica de olho no olho" - 12/5/201... "Quando a razão diverge" - 12/5/2016 "O trem da saudade" - 1/5/2016 "Ponto de vista" - 19/4/2016 "Retrospectiva do governo Dilma Rousseff"... "No mundo da política" - 16/4/2016 (mais ainda)
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O velho carro de boi - Lembranças
Antonio Feitosa dos Santos
Em tempo de colheita, quase sempre cedinho eu acordava. O estridente chiado do carro de boi contribuía para o levantar de supetão. O chiado era produzido pelo roçar do eixo sobre uma vara que o fixava sob os dois cocais. Para gerar o chiado, passava-se no ponto de fricção do eixo com a vara, uma mistura de querosene com pó de carvão.
O carro de boi era construído de madeira lavrada. A madeira bruta era transformada em pranchas, pela ação do homem com um machado e depois com o auxílio da enxó, dava melhor acabamento. Duas grandes rodas feitas de madeiras, envoltas em arcos de ferro eram afixadas a um eixo de madeira forte sobre dois cocais.
No lastro do carro, furava-se de oito a doze buracos, quatro ou seis de cada lado, onde eram fincados de oito a doze sarrafos de madeiras de aproximadamente um metro e meio de altura, os fueiros. Assim compunha-se a estrutura básica do velho e bom carro de boi.
A época todo engenho tinha no mínimo um desse. Tinha também três ou mais juntas de bois, os melhores da invernada, eram treinados para puxar o carro, com as mais diversas cargas: sisal, cana de açúcar, lenha entre outras tantas.
Ao ouvir aquele ranger inconfundível, afastava os cobertores, pulava da cama e corria para fora, ainda com ares paco de antemanhã, abria a porta, saia para o terreiro e subia na pedra à beira do caminho de chegada, frente da minha casa, ficando a espreitar a passagem daquela geringonça, gostosa de ver, subindo lentamente a estrada de barro vermelho.
Na frente das juntas ia o carreiro, seu “Mané Vito”, com a vara de ferrão nas costas, chapéu de coro e roupa surrada. Vez por outra gritava com os bois pelo nome, mimoso, malhado, vira rolo, manhoso... Ôooo! Eles seguiam suas determinações ordeiramente.
Muito cedo e chiando alto, lá ia ou lá vinha o carro de boi ladeira abaixo ou ladeira acima.
Era embriagador aos meus olhos acompanhar a trajetória, até que se encobrisse por trás dos cajueiros, abundantes à época.
Após concluir a subida dos seixos, havia uma reta e logo estaria nas macaíbas, nome dado ao local onde existia algumas macaíbeiras, espécie de palmeira espinhosa, muito comum nas matas do brejo paraibano.
Em minhas lembranças, especialmente nesses dias, estava a transportar folhas de sisal, colhidas ao redor das macaíbeiras e levadas para motor de puxar agave, assim chamado o local de extração do sisal, instalado nos arredores do engenho.
No velho carro de boi transportava-se de quase tudo, inclusive pessoas. Viajavam segurando-se aos fueiros, fincados nas laterais do lastro do carro, para dar sustentação aos diversas produtos transportados por esse tipo de tração animal, as juntas de bois.
Vez por outra o seu “Mané Vito, parava na estrada para descansos dos bois, em seguida gritava pelo nome da junta dianteira, os puxadores, pintado, ôoo, Cristal, ôoo, vamos lá, Malhado, Vira Rolo, ô, ô, ôoo!
Dia após dia ia eu observando costumes, pessoas, animais e tudo o que a natureza e as pessoas mais velhas me propiciavam conhecer da minha terra. Somava a cada dia mais conhecimento, sem saber que no futuro repassaria a aqueles, que não tiveram a feliz ventura de acompanhar a evolução de um tempo, ou talvez a perda de identidade de uma época, deixada aquém de um chiado do velho e bom carro de boi.
Postado por Antonio Feitosa dos Santos
Em 4/6/2016 às 18h21
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