O MENINO QUE GOSTAVA DE ÓPERA

O choro da criança era forte demais. Dona Claudete, sua mãe, já havia feito de tudo para que ele parasse de chorar, aliás, chorar não, de gritar. Já passava das 22:00hs e tinha mais ou menos uma hora que ele se encontrava assim.

Seu pai, doutor Edgar, também já fizera tudo que achava que era o certo e não conhecia mais recurso nenhum dentro da medicina. Havia esgotado todos os seus conhecimentos.

Dona Claudete tentou dar-lhe o peito para mamar e ele, como da vez anterior, recusou.

Colocavam-no no berço, na cama da casal, passeavam com ele no colo pela casa e nada o acalmava.

Como última tentativa, dona Claudete teve uma ideia.

- Edgar, saia um pouco do quarto e apague a luz. Vamos ver se no escuro ele melhora.

Doutor Edgar saiu do quarto, pegou o seu violino e encaminhou-se para a sala. Era um cultor da música clássica e a sua coleção de discos era motivo de inveja de alguns conhecidos seus que também gostavam daquele tipo de música.

Na sala, ajeitou o violino no ombro e pôs-se a tocar a berceuse de Brahms e, com menos de um minuto que ele iniciou, Fredi, o bebê, parou de chorar, suas perninhas e seus bracinhos se aquietaram e dona Claudete conseguiu coloca-lo no berço. Os seus olhos parecia que brilhavam com o toque da música. Neste momento doutor Edgar já se encontrava dentro do quarto e pôde ver os seus olhinhos pouco a pouco se fechando, até que ele dormiu mansamente.

Foi nesse ambiente musical que Fredi cresceu e se acostumou a ouvir sempre e tão somente os grandes compositores, pois todo dia, como diziam os vizinhos, era dia de concerto. Era um fato de chamar atenção das pessoas o comportamento dele quando doutor Edgar colocava um disco para tocar, aos poucos o seu pai foi variando de estilo de música e assim é que das sinfonias passou para os concertos depois música de câmara, oratório e, finalmente a ópera.

Quando doutor Edgar colocava ópera para tocar, fredi, que a esta altura já estava com seis aninhos de idade, corria e vinha sentar-se no colo do pai e ali ficava até ela acabar totalmente.

As suas preferidas eram “Il Trovatore”, “Tosca”, “Turandot” e mais do que todas, “La Bohème”.

Ah! Quando tocava La Bohème, os olhinhos de Fredi brilhavam de alegria e ele a acompanhava cantarolando o tempo todo. Seu pai ficava admirado como um garoto na sua idade sabia a música inteira de uma ópera. Todas as vezes ele sempre dizia:

- Um dia ainda vou assistir a encenação de La Bohème no Metropolitan Opera House, de Nova York.

O Metropolitan ele conhecia através de uma foto que ele recortou de uma revista e colou na parede do seu quarto.

Quando ele falava isso seu pai ria e lhe desejava boa sorte.

Quando Fredi completou sete anos, começou a se queixar de uma dor constante na cabeça e dona Claudete pediu a doutor Edgar que o levasse a um pediatra seu conhecido para examina-lo.

O pediatra pediu imediatamente uma ressonância magnética da cabeça e o resultado foi o pior possível. Fredi tinha um tumor na cabeça, mais ou menos do tamanho de uma azeitona, localizado em local de difícil acesso, não sendo, portanto, recomendável uma intervenção cirúrgica.

Doutor Edgar e D. Claudete estavam inconformados. Fredi era seu filho único, nasceu de oito meses e devido a problemas do seu nascimento, a sua mãe ficou impossibilitada de engravidar novamente.

A partir dai a doença desenvolveu-se rapidamente e Fredi, já desenganado pelos médicos teve que ser internado em hospital especializado.

Doutor Edgard comprou para ele um pequeno aparelho de toca disco com um fone de ouvido, para que ele pudesse, no hospital, ouvir as músicas que ele tanto gostava.

Nas vésperas de completar sete anos, quando seus pais chegaram no hospital, Fredi os recebeu todo risonho e, muito feliz, comunicou a eles que havia sido convidado por um homem que ele via sempre nos corredores do hospital e que havia prometido a ele que naquele fim de semana o levaria até Nova York para assistir a última apresentação da temporada da ópera La Bohème. Pediu então a sua mãe que no dia seguinte, sexta-feira, lhe trouxesse a sua melhor roupa, seu sapato preto e uma camisa branca para ele poder viajar. O seu amigo havia lhe dito que não precisaria de mais nada.

Em casa naquela noite, dona Claudete chorava de um lado e o doutor Edgard do outro e pensavam como é que alguém pode cometer uma maldade dessas com uma criança. Dizer que vai leva-lo para Nova York para assistir La Bohème.

- Claudete, você acha que devemos dizer ao Fredi a verdade, que não existe ninguém para fazer isso?

- Não, Edgard, deixe que ele tenha essa esperança. Nosso filho está morrendo, deixe-o apenas morrer alegre com essa esperança.

Na sexta-feira, dona Claudete, conforme pedido do menino, chegou no hospital com as coisas que ele havia pedido, passou o dia com ele e no fim da tarde foi embora deixando-o feliz da vida.

No sábado pela manhã quando chegou ao hospital teve a desagradável notícia de que o estado do Fredi havia se agravado e ele teve que ser transferido para a unidade de tratamento intensivo, de forma que não poderia receber qualquer visita.

- Interessante é que, contou a enfermeira, na hora que fomos pegá-lo para levar para a UTI, ele pediu que queria levar a roupa dele pois iria viajar.

No domingo o seu estado permanecia inalterado, mas seus pais conseguiram vê-lo rapidamente no leito, com a roupa e o sapato apertado junto ao peito.

Na segunda-feira, quando chegaram, foi-lhes permitida e entrada na UTI, pois o estado do menino havia melhorado acentuadamente. Contentes com a notícia, foram rápido em direção ao leito e, surpreendentemente, o encontraram sentado na cama, vestido com sua melhor roupa e seu sapato preto.

Ao ver os pais Fredi encheu-se de alegria, os chamou para perto e disse ao pai, todo risonho:

- Pai, que coisa linda. Nunca mais na minha vida vou esquecer essa minha viagem. Primeiro o avião que nós fomos, todo azul, as poltronas que viravam cama, serviram peixe com suco de laranja no almoço e, à tardinha trouxeram figo e mação de lanche. Quando chegamos, Nova York é linda meu pai. Aqueles edifícios enormes e a estátua da liberdade, mas somente deu para ver tudo de longe porque o tempo era pouco. Mas pai, quando chegamos ao Metropolitan Opera House. Que coisa mais linda. Já era noite e estava todo iluminado. Dentro então minha mãe, que coisa maravilhosa. Pai, sabe quem era o regente: Leonard Bernstein, acredita. A Ópera é uma coisa tão linda vista ao vivo. Acho que, pelo resto de minha vida não a esquecerei. E no final, quando Mimi morre, Rodolfo grita o seu nome. É de arrepiar. Todo mundo no teatro chora de emoção.

- Que lindo que você está nos contando meu filho. Você estava sozinho?

- Não pai o avião estava cheio de gente mais velha que eu e todos foram para assistir a ópera. Aquele senhor de barba branca apareceu, falou com cada um de nós e depois desapareceu. Acho que ele tinha coisas a fazer e desceu do avião antes de nós. Nunca vou esquecer. Que coisa maravilhosa.

- Muito bem meu amor, papai e mamãe estão felizes com esse presente que você ganhou. Agora, vamos tirar essa roupa, vestir um pijama e descansar um pouquinho da viagem que você fez.

- Não mãe. Deixa eu ficar com ela, quem sabe logo vou fazer outra viagem para ver outra ópera?

- Papai e mamãe vão descer para almoçar e logo, logo estarão de volta. Tá bom?

Quando estavam no restaurante do hospital almoçando, uma funcionária chegou até doutor Edgard e cochichou-lhe alguma coisa no ouvido.

- O que é Edgar? Houve alguma coisa? Perguntou-lhe dona Claudete angustiada.

- Não meu bem. É um cliente meu no telefone. Volto já.

Na porta do restaurante encontrava-se o médico que acompanhava o Fredi.

- Doutor Edgard, lamentavelmente o nosso Fredi acabou de falecer. Lamento muito, mas estava fora do alcance de qualquer pessoa fazer alguma coisa por ele. Meus sentimentos.

Apertaram as mãos e doutor Edgar voltou para a mesa.

- Quem era aquele homem que conversou com você Edgar? Houve alguma coisa com meu filho?

- Calma Claudete. Nosso filho está em muito boa companhia. Ele foi assistir a todas as óperas que ele gosta lá no céu. Nosso filho fez sua última viagem.

S B Braga
Enviado por S B Braga em 01/06/2016
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