Livre de Preocupações
Um homem está em pé dentro do ônibus lotado, voltando de seu emprego. Cabeça baixa, parecendo desanimado. Dentro de sua cabeça uma confusão, muitas idéias.
Talvez esteja desanimado porque não goste do emprego que tem. Ou talvez por causa do salário baixíssimo. Talvez tenha problemas em casa. Com a esposa. Com a filha. Não. Em sua casa estão todos convivendo muito bem. Deve ser mesmo problema econômico. É muito mais comum. Ele está olhando agora pela janela. Olhando todas as pessoas que passam. As casas e os carros. Alguma coisa o faz virar a cabeça para não perder de vista. Crianças de rua. Mendigando. Talvez esteja pensando no salário. Nas dívidas que continuam aumentando. Talvez pense que logo vai ser despejado da casa que aluga por não poder pagar aluguel. E que talvez sua família logo esteja junto àquelas crianças que acabara de ver. E não há nada que ele possa fazer.
A viagem é longa e cansativa, fazendo-o pegar no sono mesmo de pé.
Ele se encontra logo no começo do ônibus. De frente para o vidro frontal. De onde pode ver o motorista.
Está ali apenas porque o ônibus está tão lotado que nem passar pelo cobrador conseguiu ainda.
Este lugar não é muito bom. É perigoso demais. E especialmente para ele.
Pois em uma fração de segundo, seu sono é perturbado por uma freada brusca. O ônibus bate e para.
Ele não. Ele continua indo em frente, passando pelo vidro, por cima de um carro e finalmente aterrissando dolorosamente no chão.
Com o susto, todos se levantam e começam a falar juntos. A primeira ação do motorista é olhar para trás para ver a situação dos passageiros. Todos aflitos. Alguns reclamando do motorista. Ninguém havia percebido, que mais à frente, fora do ônibus, havia um corpo imóvel no chão. Nem mesmo o motorista.
Mas pouco tempo depois, ele nota o estado do vidro. Demora um pouco para perceber que alguma coisa atravessou o vidro e fez com que ficasse desse jeito. Mas enfim percebeu, e começou a procurar, passando os olhos em toda a extensão à frente. Foi quando encontrou o homem ferido. Imediatamente soltou o seu cinto de segurança, que foi a única coisa que evitou que ele se juntasse ao homem estendido no chão, e correu para fora do ônibus.
Motoristas de ônibus costumam ter treinamento em primeiros socorros para situações como está. Nem todos davam muita importância para o treinamento por achar que nunca precisariam dele. E, naquele momento, ele se sentiu com sorte por ser um dos que fez o treinamento corretamente. Assim pôde colocar os dedos no lado esquerdo do pescoço do homem e perceber que... ele estava morto.