O COMENDADOR E O MENDIGO
O seu nome era Fernando. Trabalhava como gerente comercial, na capital de São Paulo, numa Loja da Rua Barão de Itapetininga. Era solteiro e morava com seus pais na cidade de Jundiaí, de onde viajava todo dia para trabalhar em São Paulo. Utilizava um ônibus executivo que era fretado por várias pessoas que faziam o mesmo itinerário. O ponto de partida e chegada do ônibus era na Praça da Sé.
Todo dia, quando ia pegar o ônibus para voltar para Jundiaí, Fernando passava próximo da Igreja da Sé, e lá sempre estava um mendigo a esmolar. Fernando, quase sempre, dava algum trocado para o mendigo.
Com o passar do tempo, Fernando, que era uma pessoa que tinha um bom coração, perdia algum tempo para trocar algumas palavras com o mendigo. Assim, o mendigo sabia onde Fernando trabalhava, onde morava e qual era sua rotina de vida. Ao contrário, Fernando não sabia nada do mendigo, nem mesmo seu nome. Primeiro porque nunca havia perguntado, em segundo lugar porque o mendigo não falava da sua vida. Eles conversavam de tudo um pouco, e Fernando ficava impressionado pela demonstração de conhecimento que o mendigo tinha, quando discutia sobre política, economia e sobre o comportamento do ser humano. Fernando até desconfiava que o mendigo, talvez tivesse sido alguém importante e, por alguma desilusão qualquer tenha se transformado no mendigo que era, e que vivia pedindo esmolas para sobreviver.
Assim seguia a vida. Certa vez o mendigo perguntou ao Fernando se ele era casado, se tinha família, namorada... Ao que Fernando lhe respondeu que morava com seus pais em Jundiaí, de onde viajava todo dia ida e volta para trabalhar em São Paulo. Que era solteira e não tinha namorada. Quando disse que não tinha namorada, o mendigo lhe disse: – Isso é muito bom! Fernando ficou sem entender a forma como o mendigo se expressou.
O tempo foi passando e, sem que Fernando percebesse, essa sua amizade com o mendigo, já estava acontecendo há mais de um ano.
Certo dia, quando Fernando estava se dirigindo para tomar o ônibus, na Praça da Sé, passou pelo “ponto” do mendigo, deu-lhe uma esmola e ficou alguns minutos conversando com ele. Então o mendigo pegou um embrulho feito com jornal e deu ao Fernando, pedindo para que ele o abrisse somente quando já estivesse viajando para Jundiaí. Fernando ficou curioso, mas, cavalheiro como era, conteve a curiosidade e deixou para abrir o embrulho no ônibus. Qual não foi a sua surpresa, quando ao desfazer o pacote, dentro encontrou um belo convite para uma festa de aniversário. O convite era endereçado ao Fernando, e a festa seria no próximo sábado, dali a cinco dias, tendo em vista que estavam na segunda-feira. Fernando ficou ainda mais curioso ao ler o nome da aniversariante: Maria Angélica Ferreira, e o convite era feito pelo seu pai Antonio Augusto Ferreira. Mais curioso ainda, quando viu o endereço, pois tratava-se de uma rua no Bairro Morumbi, em São Paulo. Não sabia o que dizer. Iria ou não iria à festa de aniversário. Só podia ser gozação. Não tinha outra explicação. Mas no outro dia ele iria falar com o mendigo e por tudo às claras.
No outro dia, Fernando passou pela Praça da Sé procurando pelo mendigo, mas não o encontrou. Assim se sucedeu na terça, na quarta, na quinta e na sexta. Parecia que o mendigo havia se evaporado. Perguntou pelo mendigo para outros pedintes mas não obteve resposta.
Então, curioso como estava, no sábado comprou um presente e se dirigiu ao endereço que constava no convite. Chegou ao destino de táxi e ficou assombrado com a casa do endereço. Era um verdadeiro palacete. Ele pensou: Só posso estar enganado. Tinha até porteiro recebendo os convidados. Mas para não ficar na dúvida, resolveu perguntar ao porteiro de quem era aquela casa e de quem era a festa. O porteiro lhe disse que a casa era do Comendador Antonio Augusto Ferreira, e a festa de aniversário era da sua única filha, a Senhorita Maria Angélica Ferreira. E o porteiro perguntou ao Fernando qual era o seu nome. Fernando, então exibiu o convite e disse que seu nome era Fernando Rodrigues de Souza, ao que o porteiro conferiu uma lista de convidados e disse: – O Comendador pediu para que, quando o senhor chegasse, eu o avisasse imediatamente. – Aguarde, por favor! Logo mais, o porteiro voltou com um senhor finamente trajado, que o Fernando não reconheceu tratar-se do mendigo. A barba do mendigo estava toda bem cuidada. As rugas e manchas do rosto haviam desaparecido. Enfim, era uma pessoa totalmente diferente. Somente quando ele falou com o Fernando, este o reconheceu.
O mendigo, isto é, o Comendador Antonio Augusto Ferreira, levou Fernando para um canto e lhe disse: – Este é o meu segredo e espero que você o guarde lacrado sob sete chaves. OK! Fernando disse que sim.
A seguir o Comendador levou Fernando para apresentar sua filha, Maria Angélica, a aniversariante. Quando Fernando viu a moça, ficou sem fala, tal era a beleza da garota. Ao serem apresentados houve um brilho diferente no olhar dos dois. Por todo canto por onde a aniversariante andava Fernando a seguia com seus olhos, e Maria Angélica, onde quer que estivesse, também estava a olhar para Fernando.
A festa acabou e Fernando despediu-se de todos, e quando foi se despedir da aniversariante, viu nos seus olhos uma espécie de promessa. Voltou para sua Jundiaí pensando que tivesse vivido um sonho, um conto de fadas, onde talvez tivesse sido o cinderelo.
Na segunda-feira voltou à sua rotina de trabalho, mas sem conseguir tirar a imagem de Maria Angélica do pensamento. À tarde, quando se dirigiu à Praça da Sé para pegar o ônibus que o levaria para Jundiaí, encontrou o mendigo no seu lugar habitual, com a indumentária que o caracterizava como mendigo. Ao se aproximar ficou sem saber o que fazer, pois, naturalmente, sempre dava uma esmola para o mendigo, mas agora depois de tudo que viu, não sabia como proceder. Ao se aproximar, o mendigo lhe disse para proceder como se tudo o que viu não tivesse acontecido, pois só assim seu segredo estaria preservado. No tempo que ainda lhe restava para tomar o ônibus Fernando ficou a conversar com o mendigo e este lhe disse que sua filha também ficou muito impressionada com Fernando e que ele percebeu a troca de olhares entre os dois. Disse-lhe mais, que como ele gostava dele, iria dar permissão para que frequentasse sua casa e, até poderia namorar a Maria Angélica. Fernando não sabia o que dizer de tanto contentamento.
Assim, Fernando começou a frequentar a casa do Comendador e acostumou-se com a idéia de vê-lo todos os dias como mendigo e quando ia na sua casa vê-lo elegantemente como Comendador. O Comendador contou para o Fernando que tudo que possuía ele havia ganhado pedindo esmolas.
O namoro entre Fernando e Maria Angélica foi ficando cada vez mais sério e eles já estavam pensando em casamento. Então Fernando se decidiu e falou para o mendigo que queria casar com sua filha. Este pediu para que Fernando fosse à sua casa naquela noite para eles tratarem desse assunto. Fernando, naquele dia, não retornou para Jundiaí.
Ao chegar na casa do Comendador, Fernando disse que ele e Maria Angélica queriam se casar. O Comendador lhe disse que gostava muito dele e que via com bons olhos o seu pedido, e que ele até consentiria mas com uma condição. Fernando de tão apaixonado que estava disse que para casar com Maria Angélica, faria qualquer coisa. O Comendador ainda insistiu: – Qualquer coisa? Fernando disse que sim. Então o Comendador apresentou a condição. Fernando iria pedir demissão do seu emprego e iria mendigar durante um ano. Ao término ele teria a mão da sua amada. O Comendador iria tratar de tudo, da indumentária, transformando o executivo Fernando num mendigo, bem como já tinha até arrumado um ponto onde ele poderia trabalhar durante um ano.
Trato feito, trato cumprido. Fernando, da noite pro dia, virou um mendigo. Trabalhava todo dia no ponto onde o pai da sua amada, o Comendador, digo, o mendigo, havia lhe arranjado para esmolar. À noite, Fernando se despia da indumentária de mendigo e ia namorar a bela Maria Angélica.
Nos primeiros dias Fernando ficava meio constrangido em pedir, mas à medida em que as pessoas ficavam com dó e lhe davam esmolas, foi tomando gosto e já estava acostumado. Não via a hora do dia amanhecer para ir para seu “ponto” para esmolar.
Completado um ano, Fernando foi falar com o Comendador que já havia cumprido a condição que lhe tinha sido imposta pelo futuro sogro. Então o Comendador lhe disse que, antes de se casar, ele deveria cumprir outra condição, esta seria a última, depois poderia se casar com a sua bênção. Fernando lhe perguntou qual era essa condição. O Comendador Antonio Augusto Ferreira então lhe disse: – Você terá que ficar um ano inteiro sem pedir esmolas.
Fernando, então lhe respondeu: – Eu desisto do casamento com sua filha, mas não deixo, nunca mais, de pedir esmolas!!!
Ilha Solteira/SP – 11/05/2015 – 22:01h