Uma Bala No Meio Do Caminho
Dias nublados com sol chato. Aqueles raios que quando saem das nuvens, parecem queimar a nossa carcaça. Dizem que o inferno é embaixo. De onde vem esse fogo de cima? Do rabo de deus? A boca amarga e em vez de escovar dentes, come-se alguma porcaria com bastante corante, que vai aromatizar até a garganta, parecendo aqueles bagulhos que colocam em carro para perfumar o ambiente. A gente acorda com gosto de privada na boca. Nosso ralo bucal. Olhos que pastam os jornais, com aquelas notícias cretinas e textos mal escritos. Rotina do caralho. Cada passo contando os degraus da escada, subindo e descendo. Casa com degrau é um sacrifício, acabamos ficando com a preguiça de habitar um dos ambientes. A campainha é sempre embaixo. Descer e ver aquele maldito testemunha de jeová. Vá se ferrar seu miserável chupador de pau divino. Vai ajudar uma criança carente em vez de encher o saco das pessoas nas primeiras horas da manhã. Abro e digo, “Sou ateu!”, batendo a porta em seguida na cara do sujeito que nem tem tempo de responder. Subo as escadas e deito na cama, a bermuda fedendo a porra. Gozei dormindo. A gente cresce achando que não vai mais mijar na cama e acaba esporrando nela.
Na janela a fofoqueira da vizinha toma conta da vida dos outros. Falta de piroca, com certeza. A pessoa fica sem ter diversão e com isso quer estragar a felicidade alheia. Tem muita velha precisando de uma piroca. Por isso se apegam tanto ao pau da cruz. Ah sim. Tem muito homem na mesma situação. Tirando os pedófilos do dia-a-dia. Acendo o cigarro e vou batendo as cinzas pela janela, como se fizesse um ritual de espalhar os restos mortais de alguém. Talvez sejam os meus. Se cair na cabeça de algum transeunte, paciência. Diariamente cai tanta merda na cabeça dos outros e ninguém reclama. Bosta de pássaro, pó de indústria, chuva, e por aí vai. Odeio assistir televisão. Basta ligar e já vem aquele desejo de assassinar. Difícil encontrar algo na programação. Pra que procurar? Basta encontrar um boteco aberto e o entretenimento estará garantido. Uma cerveja barata e pronto. Bares são uma necessidade pública que está além dos hospitais e igrejas. Por isso uma cidade tem mais bares que outros estabelecimentos. As igrejas tentam competir, mas falta a elas aquele ingrediente que dizem vir do diabo. Parece que o diabo é bem mais esperto. Por isso os pastores e sacerdotes se servem tanto dele. Caso contrário, jamais enriqueceriam.
Ônibus lotado. Aquele fedor de sovaco. Balança daqui. Balança dali. Abre e fecha a janela. O rosto colado no vidro, para quem teve a sorte de conseguir um lugar sentado. Bate-boa entre cobrador e passageiro. O motorista te faz pular com o veículo em movimento. Só porque ele é fodido, quer te foder também. Cheio de mijo na calçada. Homem adora exibir a piroca e se achar o grande marcador de território. Comércio fechado e as prostitutas começam a ganhar o seu dinheiro agora. Vida fácil que não é. Passam esses caras com carros rebaixados, arrastando o fundo no quebra-molas. Grande bosta arrastar o rabo pelas ruas. Cachorro quando quer se coçar esfrega o cu ninguém fica batendo palma. Tudo está calmo demais. Mais alguns passos e estarei em casa, comendo algum salgado frio e bebendo cerveja não muito gelada.
Um estampido e aquela picada. Era um tiro. Nada de bala perdida. Essa encontrou um alvo. Caio na calçada feito um indigente. Sinto o sangue escorrer. Esse papo de lembrar do passado é uma merda. O que importa o que foi? Cheiro de sangue. Não sinto dor. Não vejo ninguém. Está escurecendo cada vez mais. Não consigo parar de pensar onde deixei o maço de cigarros. O bolso está vazio. Eu estou esvaziando. O mundo é um nada. Frio e arrepio. Calafrio. Nada.