CONTOS NORDESTINOS – Romance – Parte II

Assim conta minha mãe, desse namoro às escondidas, com um recém-chegado de São Paulo à sua terra natal, Lagoa do Ouro, Pernambuco. Bia, como era conhecida minha mãe, bem que se fez de difícil, mas o galante José, cheio de conversa, arrebatou o coração de Bia e se transformou no motivo principal de seus suspiros pela casa.

Todas as noites, José vinha pelas ruas da pequena Lagoa do Ouro, em companhia dos amigos, tocando seu violão. Enquanto um tocava o pandeiro, um outro batia nas garrafas de cerveja, José vinha cantando suas canções de amor. Bia, quase sempre, levantava-se da cama devagar e, nas pontas dos pés para não acordar o pai, se chegava à janela e abria uma pequena abertura, através da qual admirava seu namorado.

Algumas vezes, na manhã seguinte, Bia ouvia o pai, Seu Manoel, dizer:

- Esse galego de São Paulo vem com suas serenatas todas as noites e não deixa ninguém dormir. Espero que não sejam pra tu, Bia!

- Não, senhor! – respondia Bia, temerosa dos arroubos de raiva do pai.

Por causa desse medo de Seu Manoel, Bia encontrava José às escondidas, às vezes em casa de amiga que confiava, outras vezes, pelas roças. Nesses encontros, José falava de sua vida em São Paulo, onde viveu por oito anos antes de retornar para Pernambuco, e fazia promessas de um futuro feliz. Invariavelmente, José tentava um beijo, mas Bia se mantinha firme:

- Sou moça direita! Pensa que sou como as paulistas? Não vou te beijar assim tão cêdo, não...

E assim, os dias íam passando, nesse namoro escondido, de maneira inocente, mas aguçando a desconfiança de Seu Manoel que, cada dia, questionava ainda mais o porquê de José rondar sua casa com frequência e fazer serenatas em sua calçada quase todas as noites. Muitas vezes, o casal se encontrou, até que um dia, José se declarou, sob um pé de jabuticaba, no quintal da casa de uma amiga em comum:

- Bia, você sabe que nosso destino está entrelaçado, não sabe?

Os olhos de Bia brilharam significativos.

- Sei... sei, sim... – respondeu tímida.

- Pois então, temos que dar um rumo... Estou disposto a falar com vosso pai e pedi-la em casamento.

- Não, não faça isso!! – suplicou Bia. – Mal sabe o quanto meu pai te desaprova!

- Enfrentarei tudo e todos!

- Oh, José... como gosto de ti!! Mas receio que meu pai se colocará entre nós dois e me castigará, te proibindo de se aproximar de mim...

- Sendo assim, vamos fugir!

- Fugir? Está doido? Sou menina direita...

- Sim, vamos fugir e nos casamos na primeira cidade que pararmos. Não vejo outro jeito! Eu te quero como esposa, Bia! – os olhos do rapaz, cheios de emoção, transmitiam os sentimentos que íam na alma.

Levou tempo até que Bia concordou com o plano maluco de fuga. Estava apaixonada demais para recusar a idéia. Assim, combinaram que, na noite de domingo, Bia iria pular a janela e se encontrar com José na rodoviária da cidade, de onde iriam pegar o primeiro ônibus para Recife, e de lá, outro para São Paulo. Tudo acertado, José tentou, de novo, um beijo e, desta vez, Bia deixou-se beijar, sentindo em seu coração o amor a pulsar, e a certeza de que José era o homem de sua vida.

Na noite combinada, Bia preparou uma trouxa com seus poucos vestidos, entre outros reles pertences, e ficou à espera que todos da casa dormissem, para que pudesse pôr o plano em ação. Ao perceber, já tarde da noite, de seu quarto, o silêncio denunciador de que todos dormiam, Bia levantou-se da cama lentamente, apanhou a trouxa que estava detrás de uma penteadeira sem fazer qualquer barulho, caminhou nas pontas dos pés até a janela, abriu devagar e, quando se preparava para pular, a porta de seu quarto abriu-se escancaradamente atrás de sí... Era Seu Manoel, seu pai, com fisionomia brava, que falou soltando a voz feito um trovão na noite silenciosa:

- O que é que tu estás fazendo?

- Papai...deixe-me explicar...

Seu Manoel gritou pela casa o nome da mulher, a mãe de Bia:

- Zefa, Zefa, venha cá!

Dona Josefa veio correndo, cabelos longos na cintura presos por laço de fita, olhos vermelhos de sono e extremamente assustada.

- Espia isso, Zefa! Sua filha estava fugindo pela janela, com trouxa e tudo! – disse Seu Manoel se aproximando da jovem e tirando de suas mãos a trouxa de roupa bem feitinha.

- Virgem Maria do céu! – limitou-se a exclamar, Dona Josefa.

- O que significa isso, menina? – perguntou Seu Manoel. – Pra onde estás indo numa hora dessas?

Bia abaixou a cabeça, humilhada e ferida, com os pensamentos se misturando freneticamente em sua cabeça. Se sentia envergonhada na frente dos pais, mas não conseguia deixar de se preocupar com José que estava lá na rodoviária esperando por ela. Nada fez, a não ser chorar baixinho. Seu Manoel continuou:

- Pra onde estavas indo? Diga logo ou prefere uma surra agora mesmo? Por acaso estás fugindo com aquele vagabundo do José?

Bia ergueu a cabeça, impulsivamente decidida e respondeu firme:

- Sim, meu pai! Eu estava fugindo com o José. Estamos apaixonados e queremos nos casar. Como sei que o senhor não aprova, não vi outro jeito... – as lágrimas caíam em torrentes e as palavras saíam de sua boca sentidas.

Seu Manoel hesitou por um momento. Seu rosto, sempre rígido, afrouxou por um instante e seu corpo denunciou um sentimento de impotência que o invadiu repentinamente. Relaxando os músculos tensos, respirou fundo e sentou-se na cama de Bia, olhar perdido, fixo em algum ponto do quarto. Dona Josefa chorava e parecia estar esperando pelo pior, afinal, bem conhecia o marido e seus arroubos de raiva, sempre surrando filhos e esposa quando se via contrariado. Porém, desta vez, surpreendeu-se, pois Seu Manoel limitou-se a dizer, com a voz mais suave do que jamais ouvira.

- Bia, bem sabes que eu quero o melhor pra ti...

- Sei, meu pai! – respondeu Bia respeitosamente, com um fiozinho de voz.

Seu Manoel pensou mais um pouco, expirou fortemente e perguntou:

- Desde quando vocês estão de namoro?

- Seis meses... – respondeu Bia, acalmando-se um pouco mais, enxugando o rosto molhado de lágrimas.

- Muito bem, muito bem... Eu vou falar com José amanhã mesmo. Se as intenções dele são boas, darei minha benção nesse casamento.

Bia arregalou os olhos, ainda cheios de lágrimas, surpresa com o que ouviu. Abriu um sorriso indefinido, nem sabia se tinha ouvido direito.

- Papai... não sei como agradecer...

Seu Manoel levantou-se da cama, olhou bem nos olhos de Bia e disse, readquirindo a firmeza e rigidez de sempre:

- Não é pra me agradecer, pois ainda acho que é uma grande besteira o que estás fazendo. Só vou consentir com o casamento, porque prefiro isso a ver minha filha fugindo pela janela na calada da noite, feito moça perdida. Mas saiba que não gosto do José, ele é boêmio e vagabundo, não será um bom marido. Digo mais: se depois de casada, você vier a sofrer com ele, não venha bater na minha porta pedindo ajuda, pois vou lhe mostrar o caminho da rua. – dizendo isso, Seu Manoel deu-lhe as costas e já ía saindo do quarto, quando voltou e completou. – Esta noite, sua mãe dorme contigo! – e saiu decidido.

Enquanto isso, José esperou na rodoviária até as cinco horas da manhã, quando os galos da vizinhança já anunciavam o amanhecer do dia. Ao ver os primeiros raios de sol surgindo no horizonte, levantou-se do banco onde esteve sentado e deitado pela noite toda, pegou sua mala e voltou para casa, alimentando pensamentos diversos: “Será que Seu Manoel pegou Bia fugindo? Será que ela não teve coragem? Será que ela não me ama mais?”

De volta pra casa, tomou um café rápido, pois estava com fome, e se preparava para dormir um pouco, quando alguém bateu na porta. José atendeu o chamado e era um menino que, ofegante, disse:

- Seu Manoel Ferreira mandou avisar que quer falar com você. – dizendo isso, o menino saiu correndo, de volta às brincadeiras de rua.

José tinha a certeza, agora, de que Seu Manoel descobrira o plano de fuga e teria de assumir as consequências por isso. Seu instinto lhe dizia que seria uma conversa definitiva, para acertar o destino dele e de Bia, portanto, não podia cometer erros. Assim, trocou a roupa amassada, pois queria parecer decente, e seguiu em seu cavalo para a casa de Bia, ao norte da cidade, com atitude positiva e preparando seu discurso mentalmente.

Ao chegar diante da casa dos Ferreira, desceu do cavalo, tirou o chapéu e bateu na porta. Seu Manoel abriu e com um gesto, pediu para que José entrasse. José entrou, solene e respeitoso. Na sala da casa, humilde com seus poucos móveis, sentou em um banco de madeira. Seu Manoel sentou-se à frente dele e foi logo dizendo:

- Eu estou sabendo dos planos de vocês dois...

- Seu Manoel, posso explicar...

- Num carece! Já conversei com a Bia e já tomei minha decisão. Dois desmiolados, é o que vocês são... Bem, vou consentir com o casamento de vocês, mas quero deixar bem claro, que se você fizer minha filha sofrer, é homem morto!

José arregalou os olhos, mais pela surpresa do que ouvia do que por medo da ameaça de morte. Com um respeito ainda mais exagerado, disse:

- Seu Manoel, prometo, pela minha vida, fazer sua filha feliz!

- Vá, então, e comece os preparativos!

José deixou a casa dos Ferreira contendo a quase incontrolável vontade de gritar de alegria. Iria casar com Bia!

Um mês depois, a cidade inteira comparecia à igreja, para assistir ao casamento de Bia Ferreira, a bela jovem de dezoito anos, que havia recusado tantos outros pretendentes, antes predita a ficar solteirona, e José de Barros, um dos homens mais charmosos e cobiçados de Lagoa do Ouro, famoso por ter morado oito anos em São Paulo. A cerimônia foi rápida, mas a festa, na praça da cidade, se estendeu pelo final de semana. Era costume, naquela época, que a noiva não fôsse dormir com o noivo imediatamente após o casamento, assim, uma semana depois de casada, foi que Bia seguiu para a casa do noivo, em companhia da mãe e todas as outras mulheres da cidade – assim era a tradição.

Bia morou na casa de José, juntamente com a sogra, por alguns meses. Todavia, assim que ele arrumou um emprego de pedreiro, mudaram-se para outra casa, onde viveram felizes, sem luxo, nem riqueza, mas com muito amor.

Bia me contou todos os seus sonhos, os quais se concretizaram, e é ela minha mãe.