Nos Labirintos da Moral
Depois das cinco horas da manhã, a necessidade de dormir. Não durmo. Levanto e olho es espero o dia clarear. Fechando as cortinas e deixando o ambiente ainda noturno, apesar das fretas solares que insistem em clarear. O relógio parado na parede indicando a mesma hora, que todo dia se encontraria naquele mesmo ponto, agora fossilizada. Tomo um copo de água fria com o estômago vazio e sinto aquela pontada. Em seguida, a náusea. Esse é o meu café da manhã. Acendo um cigarro e me alimento de tragadas para fazer delas o meu almoço. As horas passam devagar, talvez seja consequência do relógio parado. Ligo a televisão e observo os jornalistas matinais, com aquelas caras de sono, fingindo ânimo na manhã. Desligo a TV e fico observando aquele ponto vermelho, indicando que corre energia. Havia visto uma reportagem falando sobre o desperdício de luz e a importância de desligar todos esses pontinhos que ficam ligados. Continuo encarando o ponto e vejo que ele me encara também. Levanto e saio de casa.
A velha que mora na rua pequena, é conhecida como bruxa. Alguns sabem o seu nome. A maioria preferiu esquecer. Dizem apenas “A Bruxa”. Sozinha. Viúva. Hábitos recatados, sendo vista poucas vezes fora de casa. Carrega aquelas sacos pretos e os deixa na calçada, para serem recolhidos pelo lixeiro. Nada mais. Nem uma visita. Sua companhia é um casal de gatos. Não averiguaram se era um macho e uma fêmea. Casal pode só se aplicar a uma fêmea e um macho, embora se fossem duas fêmeas ou dois machos com relações íntimas, também poderiam ser chamados assim. Dois gatos, uma dupla, e nada mais. Dois gato pretos. O primeiro se chama Sexta_feira, o segundo Treze. O primeiro é primeiro por ter sido encontrado antes ou quem sabe é realmente mais velho que o outro. Todos dizem que souberam deles no mesmo instante. Podem fazer parte da mesma ninhada, gêmeos ou algo do tipo. Dois gatos, uma dupla, e nada mais.
O padre faz o seu sermão. O pênis duro embaixo da batina, por ter roçado a perna no braço do coroinha. Olhar de flerte. Parecia uma eternidade aquela manhã. Despediu-se de todos. Fechou as portas da igreja e chamou seu assistente. Serviu vinho e ambos beberam descontraídos. Se beijaram no altar e nenhum dos dois ligou para a companhia das imagens. Estavam acostumados com as carícias. De batina levantada, o sacerdote foi chupado. Uma imagem de Cristo continuava com a mesma feição calma. Nada aquilo é de se espantar. De quatro o santo homem é fodido, segurando o apoio da bíblia e fazendo com que a mesma caia no chão. Abre no Livro dos Reis. No momento que sente o gozo do coroinha preencher ele por dentro. Nunca se incomodaram com preservativo, já que a igreja condena o uso desse tipo de artifício. Recompostos, vão aos bastidores, tomar banho e alinhar a batina. Precisam ir ao banco pagar alguns boletos e se preparar para os deveres noturnos. Cada um faz sua oração e sai para um lado.
No bar é possível ver os copos com aquele resto de colarinho. Como se fosse uma baba resistente. O caminhão é descarregado e os clientes observam o trabalho dos homens. Entre um engradado e outro, pedem uma garrafa das mais geladas e dividem. Comentam sobre o calor e o suor da testa de um deles pinga no copo, misturando-se à cerveja. Crianças entram de uniforme escolar e compram balas. Um senhor observa a roupa justa no corpo da adolescente e mata em um gole a sua bebida. Dois velhos discutem política, apesar de comentarem não mais votarem, “por opção pela falta de opção”, foi o que o mais filosófico disse. O dono do estabelecimento escarra e cospe na calçada, fazendo uma senhora desviar o olhar. Tudo isso sob a supervisão de um cão vira-lata que se coça bastante, até mesmo na hora de roubar uma gordura de carne que cai do prato de um dos homens que joga sinuca.
Na fresta da fratura, o sujeito rasteja. Lava carros e frequenta um prostíbulo clandestino, se é que existe um que não seja. Esse ainda mais, já que alicia estudantes, menores de idade que satisfazem o desejo de advogados e outros agentes da lei, durante o movimentado dia de trabalho. Voltando ao sujeito. Coça a careca com pequenos pelos grisalhos e fuma um cigarro barato, comprado em uma banca camelô. Realiza sua lida, caminhando pra lá e pra cá. A perna aguenta, a fissura não toma seu tempo. Tudo ocorre desse jeito. Até o dia de fazer sua perícia. Quando aparece o gesso e pode ir com auxilia apenas de muletas, enfrentar a fila e rever o médico que irá mais uma vez validar o laudo, garantindo sua pequena renda. Volta coxo até o trabalho e lá se desvencilha de qualquer obstáculo. Sem gesso e muletas, já pode comprar outro maço, lavar outro carro, foder outra menor. Um garotinho bate palmas dentro do carro do pai, advogado, que volta logo, arrumando as calças e fechando a braguilha. Boca do lixo. Baixo meretrício. Conversa fiada. A boca é de luxo e o meretrício é da média pra cima. Baixa é apenas a condição das meninas, que crescem tão pequenas que envelhece depressa e a infância... essa não existe.