EM UM PEQUENO OÁSIS NO DESERTO

Em meio ao deserto, seco, árido e implacável, existe um pequeno oásis, com suas vinte tamareiras, carregadas de frutos, uma tenda rústica e esfiapada, um poço de água clara e limpa, inacreditavelmente cheio, em seu entorno uma espécie de gramínea protege pequenas flores silvestres, que parecem não perceber o sol abrasador e inclemente. Nesta tenda destituída de conforto, luxo ou riqueza, sobrevive uma família de 05 pessoas, Jacó, o pai, Maria, a mãe, Abraão, o filho mais velho, Berenice a filha do meio e o caçula Davi, pessoas de pele carcomida pelo sol escaldante, de frontes moreno azeitonadas, rostos ovalados, cabelos castanhos avermelhados pelo clima, e de estatura mediana, normal para àquela região. Descrevendo brevemente suas características principais, Jacó era um homem forte e vigoroso, de seus 35 anos, acostumado a caminhar por semanas a fio, para buscar suprimentos em um povoado muito distante, para sua família e seus animais (04 mulas e umas 20 galinhas), é um tipo meio fechado, e que trata sua família com rigor, mas, é um bom homem. Maria, de aproximadamente 25 anos, é uma mulher forte, companheira e serva de seu marido, trabalhadora, seu semblante ainda tem vestígios de sua infanta beleza morena, uma pessoa firme e falante, que compensa a soturnidade de Jacó, é a alegria de sua família, tivera muitos sonhos, até compreender como seria seu destino, então, apagou os seus anseios e se dedicou aos seus. Berenice, é uma moça ainda desabrochando, com seus 12 anos, não mais, uma jovem de feições belas como sua mãe, mas, sem sonhos, apenas cumpre seu destino árido, ajuda na lida da tenda e no trabalho diário de seus pais, uma moça doce e quieta, se tem alguma expectativa, é a de que um dia, algum jovem apareça no oásis em busca de água e pousada, e a leve do deserto, mas, não tem tanta esperança. Abraão, esse sim sonha grande, um rapaz, forte e sadio, com um rosto marcado pelo clima, o que o deixa com a aparência de mais velho, do que seus 16 anos, seu desejo é que alguém chegue ao oásis e o leve, até mesmo que o compre de seus pais, só para que possa conhecer algum lugar longe do deserto, quase que implora que o deixem partir, quando alguém pernoita no oásis, mas, Jacó jamais permitiu, ainda assim, faz planos de fuga, que nunca dão muito certo, então sua vida segue no calor e frio do deserto. Davi, o pequenino Davi, no auge de seus 03 anos de idade, só pensa em brincar com seus caroços de tâmaras, correr atrás das galinhas até cansá-las, e rir, rir em sua inocência genuína, não sabe nem mesmo, que existe algum outro mundo que não, seu pequeno oásis. Jacó já está fora há pelo menos dez dias, Maria está apreensiva, mesmo conhecendo o marido que tem, e ciente de que é somente mais de uma de suas jornadas em busca de suprimentos, ela sabe dos perigos do deserto, e ficar sozinha com os filhos, lhe causa um temor na carne, castigada pelo sol, que só não lhe arrepia os pelos, pois eles não resistem ao sol e caem, mas, a sensação na alma é aterrorizante e muda. Sua preocupação é também pelas constantes fugas de seu filho Abraão, sempre desastrosas, mas, que lhe provocam suspiros dolorosos, sempre pode contar com Jacó, e quando ele não está, como deixar os outros filhos sozinhos e buscar sua ovelha desgarrada, ela vive em pânico, mas, tenta não transparecer isso, para Berenice e nem para o pequeno Davi. Depois de mais uns cinco dias Jacó retorna ao oásis, cansado, mas, com as mulas carregadas de suprimentos e ferramentas, um mascate que encontrou pelo caminho, lhe disse que em outro oásis, foram plantados figos, lentilhas e romãs e elas resistem bem ao clima do deserto, então se desfez de uma das mulas e se abasteceu de sementes, para começar sua plantação, estava todo animado, o que contagiou sua família, exceto Abraão, que via nisso, só mais trabalho, e que agora ele seria ainda mais necessário, para a manutenção de sua família, o que o deixava ainda mais obcecado em fugir. Jacó trouxe, além de farinha, sal, mel, pepinos, tecidos, ferramentas, algumas tábuas de madeira, sementes, um véu para Maria, um bracelete para Berenice, um punhal para Abraão e um pequenino cavalo de madeira para Davi, que o recebeu aos gritos, de tanta alegria, e para si, um pedaço de fumo. Jacó estava feliz, até abriu um sorriso, coisa rara de se ver. Com as madeiras, Jacó e seu filho fizeram uma nova tenda, para abrigar os suprimentos e algumas mudas que já começavam a brotar, e precisavam nesse momento de alguma proteção para o sol, depois iriam para os seus lugares de plantio definitivo no oásis, Berenice, desfilava na labuta diária, olhando com paixão seu bracelete, simples, mas, nunca havia ganho um presente, estava feliz como nunca se sentira, Davi então, com seu cavalinho de madeira, era puro êxtase, só Abraão, que já maquinava como obrigar com seu novo punhal, que algum viajante, o levasse daquele inferno, não consegui relaxar por um só instante, só pensava em sair dali, antes que não tivesse mais forças, mas, ainda assim, seguia ajudando seu pai, mudo, calado, e em profunda fúria interior. Passaram-se 06 meses sem que nenhum viajante passasse em busca de água e pouso, tudo frutificava e florescia, no pequeno e agora, um pouco mais próspero, oásis. A família estava feliz, com os tecidos que Jacó trouxera, Maria e Berenice, confeccionaram novas roupas para todos, e usaram as velhas para preencher almofadas, e dar um pouco mais de conforto a todos. Davi de tanto brincar ao sol, estava com seus cabelos castanhos, mais claros, e como já tinham um tom mais avermelhado pelo sol, estava quase ruivo, o que acentuava seus olhos grandes cor de esmeralda, era o único da família que tinha olhos tão claros, e estava ficando com um corpo mais forte, vislumbrava-se que seria um rapaz forte e bonito, um tanto diferente entre os homens do deserto. Maria observava sua filha Berenice, com o corpo ganhando formas mais arredondadas, e pelo uso constante do véu, quando trabalhava ao sol, seu semblante estava mais claro, e sua beleza despontava a cada dia, estava se tornando bela como Maria, em sua adolescência, era preciso lhe arrumar um marido, ela seria uma boa esposa, trabalhadora, prendada e silente. Jacó por sua vez, preocupava-se deveras com Abraão, que a cada dia ficava mais forte, mais rebelde e soturno, sobrevivia de sua alma escura e rancorosa, um rapaz estranho demais, não se abria, só cumpria suas obrigações e pensava, articulava, e dormia muito pouco, enormes eram seus dragões interiores, eles o estavam consumindo em fel amargo e ardente. Passavam-se os dias e noites, no deserto quente e frio, e numa manhã, ao longe avistaram um grupo se aproximando, eram pelo menos 04 pessoas envoltas em panos e suas 03 mulas, uma das pessoas vinha montada, as outras estavam seguindo a pé, alguns minutos depois, chegam ao oásis, falam um dialeto diferente, mas, de fácil compreensão, conversam com Jacó, que permite que pousem em seu oásis, bebam água, e alimentem seus animais. São uma família, marido de mais ou menos uns 40 anos, mulher, jovem ainda com seus 30 anos, o irmão dela aparentando ter uns 35 e um jovem rapaz com 15 anos, filho único do casal, pessoas do deserto, com vidas semelhantes às da família de Jacó, as mulheres logo se entendem, ambas são falantes, apenas Berenice se encolhe em um canto e só observa, o jovem rapaz recém chegado, um belo tipo embora ainda jovem, mas, bem feito de corpo e com um semblante moreno e bonito, muito bonito por sinal, para homens do deserto, tal como, seu irmão Davi, cada dia mais belo. O coração de Berenice pulsa forte, parece que vai sair do peito, ela não consegue compreender o que está acontecendo. Maria conversa com a mãe do rapaz de nome Nair, e ambas percebem que o rapaz de nome Omar, também parece interessado em Berenice, e ambas sorriem, mas, não falam sobre o assunto, apenas vigiam. Jacó está falante nesse dia, fala sobre seu pequeno oásis com Saul o viajante, pai de Omar um rapaz forte e de voz grave e seu irmão Ismael, homem franzino e amarelado, parece meio doente, mas, segundo seu irmão, Ismael é apenas um fraco de vigor e que só perde nos prazeres da carne nos povoados por onde passam, não é de muita serventia, mas, é seu cunhado, e pela mulher que ama, ele o suporta em sua vida, mas, ora que um dia ele se perca pelos caminhos, pois o considera apenas um fardo para alimentar. Quando chega à noite, depois dos homens trabalharem, exceto Ismael, que nada fez o dia inteiro, há não ser olhar para o tempo, sem sequer sair do lugar, parecia parte da paisagem árida, pessoa sem rumo esse Ismael. Todos se aproximam de suas fogueiras, as mulheres e Davi numa e Jacó, Abraão, Omar, Saul e Ismael em outra, saboreiam pães, e um caldo de lentilhas, com frango e temperos, que estava muito saboroso, como elogiara Saul, beberam água e um tipo de licor feito com tâmaras e mel não era muito forte, mas, saboroso. Contaram estórias do deserto, até que não tivessem mais assunto, então, todos se acomodaram em suas tendas, pois o dia logo chegaria. Só não se deram conta, de Abraão, que na sua insônia aterradora de fuga, já planejava uma forma de sumir junto com a comitiva de Saul pra nunca mais retornar àquele inóspito deserto, ele ainda, não sabia efetivamente como fazê-lo, mas, sua mente estava a pleno vapor, a manhã estava prometendo. Ao amanhecer, Saul e sua família, exceto Ismael “a planta”, desarmaram o acampamento, se abasteceram de água, levaram em um embornal alguns pães que Maria e Berenice, fizeram para seu retorno ao deserto, se despediram, e partiram, com a promessa que talvez em 03 ou 04 meses, se reencontrariam de novo. Ninguém dera por falta de Abraão até que a comitiva de viajantes sumisse no horizonte, Jacó rodeara todo seu pequeno oásis, buscou dentro das tendas e nada de Abraão, suas tralhas e punhal sumiram, bem como uma porção de pães secos e alguns figos recém colhidos, uma das bolsas de couro de carregar água também não fora encontrada, se Abraão não estava com a comitiva, para onde fora, se perguntou Jacó, naquele momento, não podia deixar sua família sozinha, era chegada a temporada de tempestades de areia, que nunca os havia derrubado, mas, já causara alguns estragos no passado, e Jacó não poderia abandonar Maria, Berenice e Davi por alguns dias, ainda mais sem a presença de Abraão, que bem ou mal, as auxiliaria num momento assim, lhe restava esperar, e torcer que aquele desmiolado camelo, se arrependesse e voltasse ao seio familiar. Passaram 03 longos dias de areia fustigando todo o oásis, mas, graças aos céus, sem grandes danos ao acampamento, eles já sabiam se proteger de tempestades assim, faziam um abrigo com madeira coberta de areia, e ficavam todos juntos, gente e bichos, só lhes restava a fé para que tudo passasse rápido, as noites eram mais difíceis , mas, de dia tiravam o excesso de areia sobre o acampamento se alimentavam, reservavam água em bolsas e se abrigavam e novo, e venceram mais essa etapa no deserto implacável. A vida foi dura nos primeiros 04 dias, mas, depois de muito trabalho, tudo voltou a rotina, e nada de Abraão, Jacó e Maria estavam muito preocupados, Abraão sozinho em período de tempestades, era para aterrorizar qualquer família, ainda mais a deles, tão pequena. Numa manhã de sol mais ameno, já haviam se passado quase 03 meses do sumiço de Abraão, Jacó toma uma decisão, vai buscar alguns suprimentos, e procurar por Abraão nos povoados mais próximos, quando começa a se preparar para a viagem, avista pequenos pontos negros ao longe, ainda sem que se pudesse dizer, se eram apenas animais ou pessoas, pareciam mulas carregadas, chamou Maria e os filhos, e aguardaram que se aproximassem mais, depois de algum tempo, perceberam que se tratava da comitiva de Saul, e se alegraram, apesar da aflição latente com o sumiço de Abraão. Quando a comitiva está bem perto do oásis, Jacó vai ajuda-los, e percebe que Saul tem o semblante bastante entristecido, então Jacó pergunta ao novo amigo, o que o estava deixando com o rosto tão amargurado, Saul, tira uns panos de cima de uma de suas mulas, e permite que Jacó veja o corpo de Abraão, sem vida, coberto de sangue seco, sua fuga havia acabado, como todo o povo do deserto, as mulheres gritam, choram, e Jacó cai de joelhos e emudece, com os olhos frios e sem lágrimas, apenas estanca, e Saul, se ajoelha e abraça o amigo, só Davi, parece não ter noção do que está acontecendo em sua inocência de areia. Quando a dor maior é aplacada, e a calma de solucionar problemas se instaura, as mulheres, recolhem o corpo de Abraão, para lavá-lo e prepará-lo para seu sepultamento, ninguém fala, só agem, Saul e Omar contam com calma o que acontecera, já muitos dias tinham caminhado, para retornar ao oásis de Jacó, até que ouviram os gritos abafados, no silêncio de sua jornada no deserto escaldante, se aproximaram e viram Abraão, ensanguentado, muito magro, com um punhal encravado no peito, já quase sem vida, sem nenhum de seus pertences, apenas clamando por água, mas, nada se podia fazer por ele, naquele momento, em palavras sussurradas apenas disse que fora atacado por ladrões, fora espancado, roubado e apunhalado, pediu perdão para Jacó, pois em seu delírio de morte, acreditava que estava falando com seu pai, e partiu, para campos verdes e floridos, longe de seu pequeno oásis no deserto. Feitas as orações, e passados alguns poucos dias no acampamento, Saul chama o amigo Jacó, para uma conversa de homens e companheiros de angústias do deserto, uma conversa longa e cheia de emoção para ambos. Voltam para perto do acampamento, chamaram suas famílias e expõem as decisões que tomaram, Saul estava cansado de ir e vir por tantos anos naquele deserto, sem se fixar em lugar nenhum, exposto a tudo, e como se afeiçoara pela família de Jacó, lhe fez a seguinte proposta, unir suas famílias com o casamento de seus filhos, e todos juntos poderiam tornar o oásis mais próspero e agradável, para todos, como já haviam percebido em sua outra visita o interesse de seus filhos, seria maravilhoso que se tornassem uma só família, a notícia foi recebida com alegria por todos, Maria e Nair estavam tão falantes, e Omar e Berenice se entreolharam tímidos, mas suas faces se tornaram róseas por alguns instantes. Davi corria em torno deles, gritando que a sua família perdera um e ganhara três, todo feliz. Ah! já devem ter percebido que não se falou sobre Ismael “o inútil”, pouco depois que se instalaram montaram suas tendas e barracas, com a madeira que as mulas de Saul carregaram , Saul contara que Ismael encontrara num povoado onde fizeram pousada, uma mulher de vida fácil, por quem se afeiçoara, e enfim abandonou sua família, Saul e sua família, nem ligaram muito, pois Ismael, era apenas um estorvo, nem para alegrar a caminhada o traste prestava, e a vida seguiu seu rumo, os adolescentes cresciam, Davi já estava ficando um belo rapazinho, e o amor brotava pelos poros entre Berenice e Omar, dava gosto de ver a cumplicidade dos dois no trato e na labuta diária. Maria e Nair, estavam tão unidas que mais pareciam irmãs, o oásis prosperava, além de tâmaras, lentilhas, romãs, pepinos, figos, algumas verduras, que se adaptaram bem ao clima desértico, galinhas, mulas, agora também possuíam, abóboras e 03 ovelhas, tudo ficara mais fácil, pois tendo sempre dois homens para a lida do oásis, eles podiam se revezar nas jornadas pelo deserto, em busca de suprimentos, trocavam frangos por farinha, sal, mel, e o que mais precisassem, esse pode não ser o final de felizes pra sempre, esperado, mas, com certeza, será o tema para um próximo conto no deserto, mas, isso, é outra história....

Rio de janeiro, 22 de janeiro de 2015.

Cristina Gaspar

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 23/01/2015
Reeditado em 23/01/2015
Código do texto: T5111056
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