SIBÉRIA
SIBÉRIA
Gatos pardos selvagens, assombram a casa soturna, embrenhada em campos gélidos, de uma Sibéria fria, Nika, tenta não pensar, nas figuras sombrias que rondam sua porta, sua singela silhueta, alta, loura,de maçãs do rosto rubras, escondem uma mulher forte e vigorosa, capaz de sobreviver num lugar tão ermo e perigoso. Seu amado marido Mikael, era um homem muito bom, mas, de saúde fraca, não sobreviveu às intemperes do lugar, e a deixou sozinha, grávida de dois meses de um ser que não chegou a nascer. Deus em sua infinita sabedoria o levou para seus braços, sem sofrimento, somente num desaguar avermelhado e desmaio. Nika precisou enfrentar todas as suas tragédias sem nenhum apoio, precisava seguir em frente, caçava e plantava batatas, colhia raízes, frutos silvestres, o que encontrasse naquela natureza, branca e gelada. Aprendeu com o dia a dia da maneira mais sofrida, se endureceu, e continuou sua rotina, sem bem saber, se isso a levaria há algum lugar, ou se apenas chegaria até o seu destinado fim. O que à estava deixando assustada naquele momento, eram os enormes gatos pardos selvagens, que há dois dias estavam rondando incessantemente sua casinha tão simples. Não era normal isso acontecer, tinha medo de sair para caçar e colher, mas, suas reservas estavam acabando, e ela precisava resolver isso. Às vezes dava sorte de um comerciante (Hans), um homem de meia idade já meio desgastado pelo tempo, passar em busca de peles, o que a alegrava muito, pois podia trocar peles por farinha, sal e milho, por uma dádiva divina, às vezes conseguia, livros e algum tecido simples, mas, era muito difícil, às vezes se passavam três anos sem que ele aparecesse. Começou então, a confecção de armadilhas, para que tivesse a chance de capturar os gatos, e estocar carne, eram pelo menos quatro. Preparou uma sopa de batatas, folhas e carne salgada, se alimentou e foi dormir, mais um sono sem sonhos na noite gelada. Ao amanhecer, empunhou um facão de seu querido marido, e foi verificar as armadilhas, e deu graças por ter conseguido aprisionar dois gatos, em sua mente, o perigo ainda não passara, mas, já eram dois gatos a menos, para se preocupar. Calmamente, os abateu, tirou suas peles, deixou o sangue escorrer, os salgou, mergulhou em banha de porco selvagem (herança da última caça de seu querido Mikael), e agradeceu aos céus pela benção do alimento. Os dias passavam, e sua rotina fria e tediosa seguia o seu rumo infindável. Passados quase dois meses, ela houve com alegria, o chacoalhar de sinos, alerta sonoro da carroça do comerciante, ela o recebe com um chá de raízes, quente e forte, e um pedaço de pão seco, com banha salgada para melhorar o sabor, eles não conversam muito, apenas, trocam suas mercadorias, desta vez, ela conseguiu alguns mimos, pequenas porções de açúcar mascavo e alguns biscoitos doces, além de farinha, sal, milho, um jornal velho e, pasmem, duas maçãs secas, que poderiam dar um sabor mais agradável ao seu velho chá de raízes. Se despediram, e por mais uma noite fria, na velha Sibéria gelada, Nika ficou só de novo, mas, desta vez com um pouco mais de alegria no coração e no corpo sofrido, antes de dormir, ao invés de sopa, tomou um chá bem quente, aromatizado com maçã seca, adoçado com açúcar mascavo, comeu dois biscoitos, leu algumas linhas do velho jornal, e agradeceu à Deus, por sua pequenina felicidade.
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2015.
Cristina Gaspar