A Reserva

Fazia pouco mais de um mês que estava trabalhando na livraria. Nunca havia me sentido tão bem, meu primeiro emprego e o melhor, estava rodeada de livros o dia todo e conversando com pessoas que gostavam de ler e podia indicar os melhores que já li e até mesmo conhecer livros novos. O sacrifício de pegar dois ônibus para chegar ao shopping onde estava a filial que eu trabalho e os quase sessenta minutos diários valiam a pena quando ao atender algum cliente, sabia que ele estava satisfeito, pois levava na sacola algum ótimo livro que o faria se sentir muito bem.

Era uma quinta-feira, depois do carnaval. Havia sido um dia muito tranquilo, poucas pessoas no shopping, mas o movimento em nossa loja não tinha sido ruim. Por volta das dezoito horas, entra um cliente com mochila nas costas e uma farda de colégio. Cumprimentei-o e perguntei se poderia ajuda-lo. “Vou dar só uma olhada”, ele disse. “Pode ficar à vontade”, respondi.

Ele começou a passear pelos corredores, sem demorar nas prateleiras, até rápido demais para quem queria dar uma olhada nos livros, eu observava de longe. O vi pegar três livros, dois destes, ele nem parou para examinar direito do que se tratavam, como se os pegasse aleatoriamente, só o último ele se deu o trabalho de ler a contracapa e folhear, era a biografia de uma cantora pop muito falada na atualidade, “sou fã dela”, disse ele se aproximando e sorrindo para mim. Peguei os três livros e depois de perguntar se queria mais alguma coisa, o levei até o caixa. “Forma de pagamento?” Ele não respondeu, apenas me entregou um cartão de crédito. Passei e pedi que ele digitasse a senha, o fez tão rápido que ainda nem tinha virado o rosto. “TRANSAÇÃO NÃO ACEITA” indicou a maquininha. Tentei novamente e novamente e novamente. Ele pediu que retirasse os dois primeiros livros, deixando apenas o da cantora, afim de diminuir o valor da compra, mesmo assim, o cartão não aceitou. Estava com o seu limite de crédito estourado. “Que pena” lamentei. “É, eu estava mesmo precisando ler alguma coisa...” Eu disse que podia reservar e pedi seu nome e telefone. Ele prometeu que voltaria no dia seguinte para buscar o livro. Mas não voltou, nem no outro dia. O prazo máximo para reserva de um livro em nossa loja é de apenas quarenta e oito horas, como senti uma certa simpatia por aquele cliente, decidi ligar para saber se ainda estava interessado na compra. Um senhor atendeu e eu disse imediatamente: “Boa tarde, aqui é da livraria Papel Azul, posso falar com o Marcelo?”. “Aqui é o avô dele”, respondeu o homem do outro lado da linha. “O Marcelo se matou há dois dias." Limitou-se a responder.

FIM

Thiago W Flores
Enviado por Thiago W Flores em 09/03/2014
Reeditado em 09/03/2014
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