A Herba

Tonho, um sujeito simpático e pessimista. Desde pequeno, acreditava que seu fiofó não nascera virado para a lua. Seu pão sempre caia com a parte da manteiga para baixo. Embora odiasse manteiga e derivados e não tivesse o hábito de comer. Os mais enfáticos diriam que ele foi cagado de urubu. Era também conhecido como Antonio, mas poucos utilizavam essa alcunha. Gostava de assistir televisão e pensar que um dia poderia se equiparar a um daqueles sujeitos que todos adoram e que consegue ganhar rios de dinheiro com pouco esforço. com certeza, não era o seu caso. Acordava cedo e ia trabalhar em uma padaria, onde de vez em quando deixava a rosca de algum freguês queimar, o que rendia xingamentos cabeludos e ameaça de demissão por parte do Sr. Manuel, que é o nome de todo português dono de padaria. Cansado de ser um zero à esquerda e à direita, decidiu fazer algo para mudar sua condição de capacho. Guardava míseros trocados para investir em algo que mudasse sua vida. Um dia a mudança ocorreu.

A televisão transmite muitas informações, a maioria delas sem importância, mas vez ou outra, acreditamos ter visto algo sensacional. Devemos ignorar, mas nunca seguimos a razão. Aparecia na propaganda de uma novela chatíssima, um comercial de uma tal de herbalife. Era planta. Seu pouco conhecimento sobre botânica e a visão deturpada que aprendera acerca dos chamados povos indígenas, o fizeram pensar, “se é mato, é bom”. Juntou seu dinheiro e foi atrás do milagroso produto, que faria dele um Hércules. Só de pensar nas vantagens, sentia o pinto endurecer. Isso costuma ocorrer com os homens quando estão excitados em relação a alguma coisa. Tonho saiu pela cidade, perguntando para conhecidos sobre a tal da herba. Vivia em uma cidade pequena e de poucos habitantes, as lojas eram minguadas. Um conhecido o levou a um estranho que o conduziu a uma quebrada. Chegando no local, trouxeram o produto de forma velada. Dinheiro para lá e produto para cal. Negociação rápida. Sem nomes e poucas testemunhas. Não vinha bula. O vendedor mandou enrolar em uma seda e fumar.

Chegando em sua casa, Tonho sentou na rede, munido de um pedacinho de seda que comprara na papelaria. Enrolou com cuidado a herba. Acendeu e deu um tapa, quer dizer, fumou o bagulho. Nesse instante seu corpo relaxou, a língua ficou mole e o pinto duro. Os problemas não mais existiam. Pensava em tudo com suavidade. Parecia flutuar. Passou a freqüentar a quebrada e a comprar a herba regularmente. Era um pouco diferente daquela que aparecia na propaganda, mas dizem que televisão engorda tudo. Saia pelas ruas confiantes. Cantou as mulheres mais cobiçadas da cidade e claro que levou um fora daqueles. Mas nem ligava, a herba o tornava invulnerável. Depois de um ano, um primo veio em sua casa e lhe trouxe um pote de herbalife. Tonho tentou enrolar na seda e fumar, mas aquela não era a verdadeira herba. Rejeitou o produto e continuo comprando a sua verdinha, indo todos os dias trabalhar tranqüilo. Nem queimava mais as roscas dos fregueses. O Sr. Manuel o considerava um funcionário exemplar. Pregou uma plaquinha na parede com a inscrição embaixo da foto, “funcionário do mês”. E ele nem sabia mais em que mês estava. Diziam que estava mais magro e que comia feito um cão lazarento. O vendedor dizia que isso era efeito da “larica”.

O primo de Tonho retornou em sua casa. Trouxe pessoas ligadas a herbalife, que quiseram fazer uma entrevista e mostrar como esse cliente, de um lugar tão longínquo, conseguiu obter valiosos resultados com o produto milagroso. Tonho apareceu na televisão, tirou a camisa e exibiu um corpinho magro. O entrevistador frisou que ele era imenso de gordo e que agora havia conseguido, graças a herbalife, chegar no peso desejado. E Tonho concordava, “sim, graças a herba”. Ganhou uma quantia que pode investir na herba e chegou a participar de conferências. Chapado, é claro. Tudo corria bem e o mundo parecia um jardim paradisíaco. Foi quando, em um dia daqueles em que nem deveríamos ter saído da cama, Tonho fora atropelado a poucos metros de casa, por um caminhoneiro que dava ré em uma carreta velha. A perícia foi acionada e o caso dado por encerrado. No enterro, grandes grupos da herbalife foram prestar sua homenagem sincera a este mártir da herba. Para a polícia, havia sido apenas um maconheiro atropelado por estar chapado e não ter visto o imenso caminhão vindo em sua direção. Mas o mundo preciso de heróis e certos produtos precisam ser vendidos, eis a moral da história.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/02/2014
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