O Gigante

Em uma daquelas comunidades esquecidas pelo poder público, cresce uma criança. Uma em meio a tantas outras. A luta pela sobrevivência. Violência, formas mais fáceis de enriquecimento. Os amigos crescendo junto. Uns se tornando adultos precocemente, abandonando as brincadeiras. As tarefas impostas desde cedo. Cuidar de irmãos menores, cuidar das compras para a magra despensa de casa. Os olhares das pessoas de fora, com uma ferocidade perante seu estado miserável. O dinheiro que falta e a dor da barriga com fome, que não cessa. Ir para a escola de estômago vazio. A merenda se torna um atrativo. O caminho é longo. Feito a pé. Todos os dias. Olhos paralisados diante das vitrines chiques. Sendo expulsos por seguranças que não desejam que perturbem a clientela. A felicidade de tomar geladinho no dia de sol, tomando banho dentro de uma caixa d’água. O carinho da mãe, cada vez mais raro e a ausência de um pai. Os botecos lotados e a voz que chama para largar essa vida e conseguir dar dignidade para a família. Para isso, basta aceitar ser um pequeno soldado.

Seu desejo era um dia ser grande. Se emocionara ao ver um desenho em que o herói conseguia se tornar enorme. Pensava que desse tamanho, seria mais fácil proteger sua família. Sua força seria usada para auxiliar as pessoas da comunidade. Buscaria suprimentos com poucas passadas. A caixa d’água seria uma caixa de fósforos. Com um recipiente maior, poderia trazer água para aquele lugar. Os tiros seriam apenas picadas de insetos. Com isso, sonhava em dias melhores. Apanhava na escola e em casa. cada vez se apequenava mais. Um dia fora confundido em um furto e levado para uma delegacia, deixado em uma cela, até que a mãe comparecesse. Estava livre da cadeia, mas não da coça em casa. Tudo parecia caminhar para algo que estava longe de seus planos. Certo dia, um amigo deixou que tocasse em uma arma. Mas logo se afastou e procurou não retornar ao local que havia sido levado. Sua dificuldade na escola era superada por sua persistência. Tão pequeno, que era chamado de “pequenino”, por muitos dos seus vizinhos.

Não sabem dizer ao certo. O fato é que em um final de semana trágico, um incêndio devastador se espalhou pela comunidade. Reduzindo os casebres, em instantes, a labaredas vorazes. O menino, investindo contra o fogo, conseguiu resgatar seus familiares. A mãe e dois irmãos. O irmão mais novo estava bem intoxicado com a fumaça. Os bombeiros demoraram chegar. O menino, ágil, invadia outros barracos, em busca de sobreviventes. Naquele dia, conseguindo suportar o calor e a fumaça, salvou dez pessoas. Já exausto, caiu nos braços de um dos bombeiros, que terminaram o serviço. Infelizmente, pessoas haviam perdido a vida. Mas o menino, já no hospital, fora saudado como herói. Antes mesmo de sair de lá, fora entrevistado por uma rede de televisão. A tragédia repercutiu pelo mundo. O pequeno, agora se tornara “gigante” segundo a notícia que circulava e a fala das pessoas da comunidade. O garoto havia conseguido realizar seu sonho, descobrindo que pode se tornar gigante sem precisar aumentar sua estatura. A mãe deixou de agredir o menino, os irmãos o tiveram como exemplo. Cresceu com uma missão. Continuaria a se agigantar, servindo a comunidade e tentando contribuir para um mundo melhor. Soube naquele instante que diversos outros heróis, como ele, estavam prontos a arriscar a própria vida e lutar por um objetivo comum. O Gigante, nunca mais acordou sem sorrir.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 29/01/2014
Código do texto: T4669726
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