No Correr da Pena

Sentado na varanda, vendo os mosquitos voando ao redor da carniça lançada no terreno. Os cães logo chegam e resgatam aquela parte que as moscas viram primeiro. Cachorro do mato que não dá sossego, andando por matas fechadas em busca de alguma aventura. Mais aventureiro, só mesmo o gato. Que cavuca e arranha, escondendo até as fezes. Vez ou outra sobram apenas as penas de um pobre passarinho, que foi comido dentro do próprio ninho, que deveria ser sua proteção. O chinelo mostrando os dedos dos pés e o sol batendo forte, queimando o lombo até das plantas. A mangueira pode apodrecer, já que as mangas não me interessam. Escuto apenas o som da água do rio que passa próximo. Quando chove a mansidão tenta mostrar energia, com cor escura e força que espanta a população ribeirinha.

No computador, começo a imaginar o tempo da máquina de escrever. Ainda me recordo da fita colocada e as teclas duras. Ia batendo e marcando o papel, chegava a ver a letra no verso da folha. Algumas chegavam a furar. Uma perícia em arrumar o papel e mesmo assim saía torta a frase. Leio sobre a época das penas. Se com a caneta suja tudo, estoura e causa problemas, muitas vezes irreversíveis. Imagina no tempo da penada. Primeiro que precisava arrancar de algum bicho. Confeccionavam o objeto de escrever e logo vinha o tinteiro, onde se mergulhava em poço de petróleo e fazia a mensagem aparecer no papel, que aceitava e ainda hoje, aceita quase tudo. A posição para escrever, que muitas vezes formava, uma letra belíssima e com aquele inclinação que alguns cartórios ainda mantém. Nos restos de algum pássaro, que antes voava e que agora permite que a imaginação ouse se aventurar pelos ares.

Quando vejo os meninos diante das telas. Carregando nos bolsos sues aparelhos móveis, procurando se comunicar com um mundo que os ignora. Só param para comer. Quando param. Os dedinhos nervosos sobre as teclas. Algumas param de funcionar, saem voando e fica apenas o contato do teclado. Pedem ajuda e derrubam alimento entre as teclas. Se assoprar pode sair voando até um pedaço de torresmo. Conhecem tudo de mulher vendo uma foto ou vídeo de algum delas peladas. Ao vivo, é outra história, sentem tanta vergonha que quase viram tatu e se enterram para nunca mais voltar à tona. Se apegam aos clichês das novelas e modismos relâmpagos. Hoje chama disso, amanhã usa aquilo e depois de amanhã será o gestual. As palavras repetidas devem ser pela redução do vocabulário. Um dia, conversando com um guri, percebi que bastava usar umas três palavras o tempo todo e a conversa estaria garantida. Foi bom para poder continuar matando a cerveja e sem que me importunasse.

A noite chega e consigo ver os vaga-lumes circulando. Acendendo e apagando. O assovio dos sapos e o cantinho dos grilos. Um cachorro uiva longe e os outros seguem, feito um coral canino. A brisa mansa vem chegando. O vento balança a copa das árvores e desfolha a mangueira. Algumas mangas caem e fico observando se algum animal virá aproveitar. Os pernilongos começam a mordiscar meus pés. Bicho maldito. Uma boa borrifada de aerossol e os impertinentes caem se debatendo. Infelizmente peguei junto um vaga-lume. Mas toda batalha tem essas lamentáveis baixas. No copo sobre a bancada, uma mosca afogada em um resto de suco. As formigas se aventuram pelas bordas, algumas já sucumbem ao açúcar e ficam por ali, como vítimas de uma batalha pela sobrevivência. Apago a luz e vou deitar. Olho para o teto escuro e apalpo as pernas da minha esposa, que já esta debaixo das cobertas, porque sente frio quando ligamos o ar condicionado. Escuto a água que pinga da mangueira do ar condicionado e confundo com o gotejar de uma chuva mansa. Isso faz embalar o sono. Agora é só sonhar.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 02/01/2014
Código do texto: T4634342
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