ANJOS SEM ASAS
(Samuel da Mata)
Desci a ladeira em velocidade para aproveitar a aceleração na serra que se aproximava. Foi quando o motor deu um grande urro com se o carro tivesse desengatado. Era mais ou menos quinze horas, eu, a mulher e três crianças em um carro quebrado na BR 101, entre Alagoinhas e Esplanada, duas cidades baianas. Desliguei o motor, tentei de novo, nada! Só aquele grande uivo que parecia um boi morrendo.
Que situação, não existia ainda a rede para celular e eu também não tinha o carro assegurado. A cidade mais próxima ficava a uns vinte km, mas não havia como eu chamar um guincho. Não tinha como eu sair dali e deixar a esposa com as crianças naquele lugar deserto. Tentava pegar uma carona para nos levar ao povoado mais próximo, mas ninguém parava.
Depois de mais de duas horas, já escurecendo, resolvemos que iríamos andando na beira da pista até o alto da serra para ver se víamos alguma coisa. Foi aí que parou uma carreta. Um cidadão moreno, rosto sisudo e voz meio rouca. E disse-me: “Você é louco, aqui é uma região de muitos assaltos”. Expliquei a situação. Ele deu ré no caminhão pelo acostamento de cascalho e parou junto ao meu carro quebrado. Conferiu comigo o problema e disse: acho que é a bomba d’água. Pegou uma corda grande, amarrou o opala no caminhão e nos rebocou vagarosamente até a um posto de gasolina, a cerca de uns quinze km à frente. A esta altura as crianças estavam famintas e assustadas.
No posto o motorista da carreta me disse: põe a família para jantar enquanto tentamos dar um jeito no seu carro. Pegou suas ferramentas, abriu o motor do opala e retirou a bendita bomba d’água. Depois, desprendeu a carreta da boléia e disse-me: vamos à casa de um amigo meu que é dono de uma Alto Peças e ele nos venderá uma bomba nova. Isso já era mais de vinte horas.
Entramos na cidade, tiramos o vendedor de sua casa e fomos à loja. Voltando ao posto, o caminhoneiro trocou a bomba d1água, mas não adiantou, o carro continuou pifado. Então ele disse: Já sei, é a corroa do comando de válvulas. Só que isto não se vende por aqui. Entramos novamente na boléia da carreta e fomos até a cidade de esplanada, a uns quarenta km onde ele chamou um mecânico que veio nos acompanhando em um buggy.
Lá pelas vinte e duas horas, o mecânico deu o diagnóstico: é a corroa do comando de válvula. Eu tenho uma usada na oficina, mas só dá para trocar amanhã, pois vamos precisar de um torno para sacar a peça. O motorista então arranjou um local no posto para guardarmos o opala quebrado e foi com a boléia da carreta nos deixar numa pousada um pouco mais adiante.
Chegando a pousada, lá pelas vinte e três horas, me dirigi ao cidadão para acertar os seus honorários, apreensivo em imaginar quanto seria tal custo. Foi aí que o cidadão me respondeu: “Quando encontrares alguém em dificuldades ajude-o com a mesma abnegação que eu te ajudei e me sentirei pago”. Sem mais delonga se despediu, engatou a carreta na boléia e foi embora. No outro dia, o opala foi consertado seguimos nossa viagem. Foi assim que eu descobri que os anjos nem sempre têm asas.
(Samuel da Mata)
Desci a ladeira em velocidade para aproveitar a aceleração na serra que se aproximava. Foi quando o motor deu um grande urro com se o carro tivesse desengatado. Era mais ou menos quinze horas, eu, a mulher e três crianças em um carro quebrado na BR 101, entre Alagoinhas e Esplanada, duas cidades baianas. Desliguei o motor, tentei de novo, nada! Só aquele grande uivo que parecia um boi morrendo.
Que situação, não existia ainda a rede para celular e eu também não tinha o carro assegurado. A cidade mais próxima ficava a uns vinte km, mas não havia como eu chamar um guincho. Não tinha como eu sair dali e deixar a esposa com as crianças naquele lugar deserto. Tentava pegar uma carona para nos levar ao povoado mais próximo, mas ninguém parava.
Depois de mais de duas horas, já escurecendo, resolvemos que iríamos andando na beira da pista até o alto da serra para ver se víamos alguma coisa. Foi aí que parou uma carreta. Um cidadão moreno, rosto sisudo e voz meio rouca. E disse-me: “Você é louco, aqui é uma região de muitos assaltos”. Expliquei a situação. Ele deu ré no caminhão pelo acostamento de cascalho e parou junto ao meu carro quebrado. Conferiu comigo o problema e disse: acho que é a bomba d’água. Pegou uma corda grande, amarrou o opala no caminhão e nos rebocou vagarosamente até a um posto de gasolina, a cerca de uns quinze km à frente. A esta altura as crianças estavam famintas e assustadas.
No posto o motorista da carreta me disse: põe a família para jantar enquanto tentamos dar um jeito no seu carro. Pegou suas ferramentas, abriu o motor do opala e retirou a bendita bomba d’água. Depois, desprendeu a carreta da boléia e disse-me: vamos à casa de um amigo meu que é dono de uma Alto Peças e ele nos venderá uma bomba nova. Isso já era mais de vinte horas.
Entramos na cidade, tiramos o vendedor de sua casa e fomos à loja. Voltando ao posto, o caminhoneiro trocou a bomba d1água, mas não adiantou, o carro continuou pifado. Então ele disse: Já sei, é a corroa do comando de válvulas. Só que isto não se vende por aqui. Entramos novamente na boléia da carreta e fomos até a cidade de esplanada, a uns quarenta km onde ele chamou um mecânico que veio nos acompanhando em um buggy.
Lá pelas vinte e duas horas, o mecânico deu o diagnóstico: é a corroa do comando de válvula. Eu tenho uma usada na oficina, mas só dá para trocar amanhã, pois vamos precisar de um torno para sacar a peça. O motorista então arranjou um local no posto para guardarmos o opala quebrado e foi com a boléia da carreta nos deixar numa pousada um pouco mais adiante.
Chegando a pousada, lá pelas vinte e três horas, me dirigi ao cidadão para acertar os seus honorários, apreensivo em imaginar quanto seria tal custo. Foi aí que o cidadão me respondeu: “Quando encontrares alguém em dificuldades ajude-o com a mesma abnegação que eu te ajudei e me sentirei pago”. Sem mais delonga se despediu, engatou a carreta na boléia e foi embora. No outro dia, o opala foi consertado seguimos nossa viagem. Foi assim que eu descobri que os anjos nem sempre têm asas.