DOMINGO

DOMINGO

Fazia pouco mais de dez minutos que ele havia chegado naquele vazio e solitário ponto de ônibus. Já estava acostumado com a monotonia dos domingos, o transporte era escasso, e os ônibus custavam para passar. A espera variava entre trinta, quarenta ou mesmo cinqüenta minutos ali sentado. Na memória carregava a lembrança de sua esposa, um sentimento antes pesado, agora porém um pouco mais leve do que fora em outros tempos. Aprendera a diferenciar as lembranças da mesma maneira que fazemos quando selecionamos feijões, separando os bons dos estragados, guardando e mantendo somente os primeiros.

Lá se vão oito meses desde que Dona Lina falecera, consequentemente levando junto de si um pedaço de Jerônimo. Ele jurava que iria morrer antes, ela dizia sempre o contrário, mas em verdade, nem um e nem outro queria deixar neste mundo a grande dor da solidão. Mesmo sendo cinco anos mais velho, ele acabou por sobrar, vivo e lúcido, mas sem ninguém. Agora, aos oitenta anos, teria que carregar pesadamente o restante de sua vida, que a perversidade implacável do tempo parecia agarrar, se fazendo cada vez mais presente, inevitável e impiedosa.

Em outros tempos os costumes dominicais nunca eram solitários, ele e Dona Lina acordavam logo cedo para organizar os preparativos do almoço, depois passeavam pelo parque e finalmente iam para a igreja, pontualmente as dezenove horas. Destes, o único hábito conservado agora sem uma companheira era a igreja, onde após a missa Jerônimo aguardava pacientemente a chegada de um ônibus.

Quando a morte da esposa era ainda fato recente, suas idas ao culto se consumavam numa eterna briga com Deus. De um lado as perguntas de Jerônimo, do outro apenas um grave silêncio do senhor. Queria saber qual o sentido do fim, e porque este não chegou em sincronia para o casal ou mesmo primeiro para ele. Era como se tivesse sido excluído de uma reunião ou de uma benção, tendo que pagar vivo por um pecado que nunca havia cometido.

Talvez por conta de sua personalidade amena e salutar, Jerônimo aos poucos foi se acostumando com a nova situação. Começou a ver certa razão e benevolência naquele silêncio de Deus, e paulatinamente foi se tornando calmo e silencioso como o seu criador. Os passeios no parque foram substituídos por novos locais que não trouxessem os breves e lúgubres pensamentos, entretanto, para as profundas reminiscências do passado ainda não foi inventado melhor remédio do que o passar dos dias, dos meses ou dos anos.

Foi então neste momento, logo após a missa, ali naquele abandonado ponto de ônibus, que Jerônimo ouviu a voz de uma mulher chamando pela sua filha:

- Lina Lina vem cá minha filha! Temos que esperar o ônibus, volta aqui!!!

Era uma moça jovem com sua filha, que parecia ter aproximadamente oito anos de idade, a menina chegou naturalmente até aquele senhor, e com um largo sorriso no rosto estendeu a mão em sinal de amizade. Aquela alegria comum de criança, era capaz de preencher qualquer espírito e amenizar inúmeras fatalidades ou infortúnios que muitas vezes passamos ao longo de um dia.

Desta maneira, pelo menos o domingo estava salvo, e talvez as próximas semanas também. O fato é que aquele gesto simples havia transformado algo em Jerônimo, era um turbilhão de frases e reflexões que passavam pela sua cabeça, e por mais que quisesse era impossível exprimir em palavras o tamanho da sua euforia. Sem pensar, ele deu um longo abraço naquela garotinha e depois continuou conversando por longos minutos com as duas, mãe e filha, naquele final de domingo, naquele esquecido ponto de ônibus.

Fernando Costa.

Fe Costa
Enviado por Fe Costa em 28/09/2013
Reeditado em 28/09/2013
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