Massao

O pé firme no acelerador, até o momento em que parece faltar algo. O pedal se esconde e o carro perde aceleração. O acostamento. Aquele cheiro de merda de vaca. Os mosquitos sobrevoam ao redor do carro, desejando uma brecha para comer vivo quem está dentro. O telefone que pede auxílio. O dia começa a ir embora, como a esperança de uma solução imediata. O reboque aparece, suspendendo o carro. Três sentados na cabine. O aroma de álcool e tabaco, o vento frio que entra pela janela aberta. Uma ligação para um dos ocupantes, onde a esposa avisa que não beba essa noite e que a chave de casa estará dentro da máquina de lavar roupas. Que belo esconderijo. A mulher sai para trabalhar e o marido tenta chegar em casa, após encerrar o expediente e tomar alguns aperitivos para descontrair. Chegam ao posto e descarregam o veículo.

O vento gelado e um pacote de salgadinho acompanhado de uma lata da refrigerante. Chega o primeiro apoio. A família nunca falta. Conversam. O tempo passa. O carro de patrulha da polícia fica com todas aquelas luzes acesas. Parece uma árvore de natal. Um guincho se aproxima. Desce dele um japonês maluco, não falando coisa com coisa. Pede que abra o capô, identifica o problema e diz que precisa guinchar. Procura local de enroscar o cabo e não encontra. O motorista diz que pode ir andando. O japonês vai na frente e o carro, lentamente, atrás. Engasga na ladeira e não sobe. O outro condutor vai atrás do guincho que foi embora. O caminhão volta. O japonês deita embaixo do carro, pede que ajude ele a puxar o cabo. Amarra uns cabos embaixo do carro. Me vejo suspenso com carro e tudo, em cima da plataforma. Sacolejando por ladeiras e vielas. O caminhão para em frente uma casa. O sujeito desce e é recebido por um cachorrinho vira-lata. Desce o carro da plataforma e abre uma grande garagem, que serve de oficina. Pede que coloque o carro para dentro.

Com o carro posto dentro da garagem, o sujeito some com o caminhão. Ficam os dois ali. Sem saber o que fazer. Observando aquele céu sem respostas. O espanto de estarem em local desconhecido e ainda tomando conta do estabelecimento comercial do japonês. Que desaparece. Surge um senhor empurrando uma bicicleta, acompanhado de um garoto. Conta que explica ao menino sobre a origem do espetinho de carne que come. Que o bezerro não vira direto carne, existe um processo de nascimento mais longo do que ele pode imaginar. Pois a criança quer saber como pode se fazer um churrasco tão pequeno de um bicho tão grande. E ele ri, dizendo que usam apenas uma parte do bicho. Diz que criança é fogo, que deixa professor sem resposta. Se apresentam, mas pede que o chame de Maisena e o pequeno de Xexéu. Conta que o menino perdeu a mãe cedo, que agora eram apenas os dois. Saem andando por aquelas quebradas.

O japonês volta. Trazendo uma mulher na boléia do caminhão. Desce, andando de um lado para o outro. Procurando peças no escuro. Dizendo que de noite é foda. Não encontra o que deseja e acende as luzes. Diz que só possui peças que não servem, que o concerto ficará para o outro dia. Um dos homens pede outra ajuda. Que troque um reservatório de água de seu carro, já que precisa disso para viajar. Sem maquinário, com uma lâmpada improvisada, o japonês faz o seu milagre. Chupa os parafusos. Enrosca dali, desaperta aqui. Arranca o reservatório e coloca o outro. Despeja o líquido de mistura e verifica se não entrou ar. Um verdadeiro samurai da mecânica. Perguntam que horas podem buscar o carro no outro dia. Categórico ele diz “aqui é 24 horas”. E os homens insistem, sobre o melhor horário. E ele mantém, “24 horas”.

Voltam para casa, com metade do problema resolvido. No outro dia, estão de volta ao local. Agora é casal, conduzido por táxi. O japonês dormindo em uma cadeira na calçada. Abre o olho, recebe o pagamento, diz para tirar o carro da garagem. Antes de sair perguntam se não existe uma chave perdida dentro do carro. Comenta que é do seu caminhão, não sabe onde deixou. Pede que se encontrar, que guarde para ele. Poderia escrever diversos livros sobre esse Massao. Existe uma riqueza no povo que não podemos sequer imaginar. Nenhum Victor Hugo, Karl Marx, Machado de Assis, conseguirá dar conta deste emaranhado tão fértil. Sigo vivenciando cada experiência com a sede de quem deseja absorver a vida.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 17/08/2013
Código do texto: T4438920
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