Canhestro

Acorda-se e olha para esse belo dia nublado. Sem o sol dizem ser feio, mas esses raios solares fazem a minha cabeça doer. Embora o frio também foda meus pulmões. O problema sou eu, a natureza é bonita a todo instante e tenta matar esse homem que insiste em viver nela e contra ela, já que persiste, quando muito já deveria ter deixado de existir. A gente anda de carro porque aqueles rebanhos de automóveis, que pastam combustíveis e voltam sempre para suas garagens-celeiros. Uma dose de algo alcoólico e a gente já se sente outro. Eis o poder das drogas, te fazer sair de si, mesmo estando ainda encapsulado nesse corpo. Uma busca incessante pelo inacessível. A angústia maior da humanidade talvez seja essa, ir atrás do impossível, mesmo quando vivemos apenas de possibilidades e até a construção do irreal seja uma materialização real imaginado. Divagações de privada. A gente quando caga, conta até os azulejos do banheiro, é tedioso ficar com a bunda ali entregue aquela fossa disfarçada.

Todo mundo tem um dia que é péssimo. Alguns tem um dia que são bons e os outros todos péssimos. Hospital é algo tão deprimente. É interessante como funcionários adoram te tratar como um monte de merda. O sujeito em uma cadeira de rodas vomita ao lado e o pessoal passa como se nem enxergasse o vômito. A fila de espera é longa e o médico, com andar lento, parecendo mais doente que todos os pacientes impacientes que aguardam. Cada uma consulta e ele sai com aqueles passos de quem teve um derrame ou algo do tipo, arrastando os pés pelos corredores, voltando 30 minutos depois. Engraçado que ao lado tem uma sala como o nome “repouso dos médicos’. Eles também precisam de uma sala para se tratarem? O cheiro que sai dali é só de cigarro, devem estar consumindo seu combustível diário, talvez uns goles de bebida, quem sabe uma boa cheirada e pronto, estão aptos a te indicarem que droga tomar ou tratamento fazer.

Minha bunda dói e não estou mais em uma privada. Muitas vezes duvido se não estou quando vou em um hospital, já que sou tratado como merda. O atendente bate papo enquanto você espera, como se alguém ali estivesse esperando o ingresso para um parque de diversões. Passa por um, por outro, triagem. Estão selecionando se você é grave ou não. Se não for morrer agora vai esperar até quase morrer e aí será atendido com prioridade. Vejo essa velhinha deitada em uma maca no meio do corredor, a cena parece de morador de rua, onde alguém até sente pena mas ninguém faz nada a respeito. Amanhã sou eu, minha esposa ou minha mãe ali. Porque duvido que a mãe de algum dos médicos ficaria daquele jeito. Bebo um gole de água. Sou examinado, ou melhor olhado, já que não se mede nada, nem pressão, nem temperatura. Pergunto a enfermeira quanto tempo vai durar mais a demora, já que meu tratamento parece ser a base de tempo. A mulher reclama, diz que é procedimento. Tão fodida quanto eu, pobre e trabalhando em hospital como enfermeira e ainda acha que deve brigar pelo patrão que fode ela todos os dias. Deve gostar desse masoquismo.

Agora vão me furar. Não acham a veia no braço e furam a mão. Te levam para uma sala para fazer raio-x. O cara te manda abraçar uma placa de metal gelada, como se estivesse agarrando a sua esposa, mas nem tem aqueles peitos gostosos dela nem nada. Depois te manda ficar de lado, inclinar a bunda, dobrar a cintura, esticar os braços para cima, como se fosse dar um mergulho de salto ornamental de forma ridícula. Depois vão tirar da face, mandam deitar, enfiar a cara na mesa que deve ter o cheiro de um milhão de rabos que passaram por ali. Manda encostar a porra do nariz. Dizem que essas máquinas dão câncer na gente, eles que não são otários, ficam atrás de uma proteção que parece cabine de guarda de banco. Conferem. Se acharem que não ficou bom, tem que repetir. Ainda aturar a cara de bunda do cara que fez as chapas, já que a culpa é sempre sua. Fora que é tudo tão escuro, acho que é para se aproveitarem quando for alguma mulher ali.

Por fim volta a enfermeira, querendo dizer que a médica conhece o procedimento. Digo a ela que a médica conhece a fundo a Medicina como meu pau conhece o meu cu. Parece não ter gostado muito do comentário. Já havia acabo a medicação e o sangue voltava. Levantei carregando aquele saquinho de soro vazio e fui até uma outra e pedi que tirasse ou eu mesmo o faria. Ficar ali esperando a boa vontade deles, que estão pouco se fodendo pra mim. Arrancou e esguichou um sangue que parecia coisa de filme. Fez cara de assustada, porque se fosse no chão teriam que limpar logo, por lance de infecção. Imagina se vai nela. Deve ficar com o cu na mão, achando que posso ser aidético ou qualquer porra dessa e contaminar o mundo com meu sangue. Minhas tatuagens nessa hora incentivam as más deduções. Sai dali caminhando, minha esposa ao lado, aquele cheiro de lanche gorduroso. De volta à vida. A gente sai do hospital e volta a viver, querendo logo fazer tudo que disseram para que não fizessem. Se eles soubessem tanto não estariam ali todos os dias, fodidos daquele jeito. Adoro essa vida e agora vou dormir quentinho ao lado da minha mulher, abraçando peitos de verdade. Isso que é vida.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 10/08/2013
Código do texto: T4428009
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