OS AMANTES

Bem que já era tempo desse encontro secreto acontecer. Já se conheciam havia anos e eram muito amigos. Riam e brigavam com a mesma facilidade, se viam e se falavam todos os dias, pois trabalhavam juntos, e se admiravam mutuamente, por diferentes motivos. Se abraçavam e se tocavam, se julgando íntimos, daquela intimidade que só os grandes amigos tem, mas esqueceram que, antes de serem amigos, eram homem e mulher...

Ela, Renata, presenciou o casamento dele e ele, Orlando, acompanhou o fim do namoro dela e, no Natal de 2000, depois de um almoço de confraternização da empresa em que trabalhavam, no momento em que todos se abraçavam e se desejavam votos de felicidades aos sons de canções natalinas, ela nao resistiu à emoção e chorou. Era seu primeiro Natal sozinha, desde que rompera o namoro de longos anos e chorou de saudade. Orlando, ao vê-la chorar, não resistiu e a abraçou. Tinha que consolar a amiga e percebia, surpreso, que isso era algo mais forte que ele. Queria consolar, proteger, demonstrar o quanto se importava e, nessa confusão de sentimentos, abraçou mais forte, mais apertado, e nem parou pra pensar no que os colegas iriam dizer.

Aquele abraço marcou ambos e fez Renata esquecer porque chorava... Olhou fundo nos olhos de Orlando e sorriu, ao que ele correspondeu, dizendo baixinho:

- Não me aguentei... você está tão frágil...

A partir daquela tarde, se falaram por telefone com mais frequência do que o habitual. Os gestos se tornaram mensageiros de segundas intenções e as palavras conotavam alguma sedução. Renata dizia a sí mesma: “não, não pode ser, somos apenas amigos...” e Orlando teimava em desejar outro abraço e o que mais pudesse vir depois.

Vencendo os próprios sentimentos ou deixando-os vencer, resolveram se encontrar, longe do trabalho, longe dos outros amigos, longe de tudo e de todos. Sim, precisavam esclarecer o que ía na mente de cada um e precisavam descobrir o que sentiam. Era necessário ir além daquele jogo diário, era necessário descobrir além do que diziam. O implícito convite já havia sido feito e aceito, sem palavras, através dos olhares que queimavam. Era tudo uma questão de deixar consumar.

Portanto, já era tempo desse encontro secreto acontecer e o marcaram em plena Avenida Paulista, tumultuada e abarrotada de transeuntes que deixavam o expediente e corriam apressados para as estações de metrô, para os pontos de ônibus e de táxi. O trânsito caótico de um final de sexta-feira era barulhento, como sempre. A tarde estava quente, mormacenta, prenunciando mais uma trovoada. Renata aguardava ansiosa e Orlando veio a seu encontro.

Por algum motivo, naquele momento, Orlando parecia ainda mais bonito ou talvez apenas os olhos de Renata o vissem diferente. Se aproximaram, tímidos, como se uma inesperada inocência pudesse existir por detrás do desejo. Sabiam que ali não seria o melhor lugar para ficarem, portanto, depois de trocar poucas palavras, seguiram juntos por entre as pessoas que os tornavam incógnitas, por entre a multidão que os escondia e camuflava, em direção a um hotel.

Rapidamente, se registraram e tomaram posse do quarto. O céu parecia reclamar o encontro, pois abriu-se num temporal, como se estivesse furioso com aqueles que se permitem pecar. Na penumbra do quarto, porém, não existia culpa. Nada disseram e nem era preciso dizer mais nada. Abraçaram-se e beijaram-se loucamente. Invadiram um ao outro, tocando, tateando, buscando-se na loucura do sentir e fazer sentir. Os corpos foram se desnudando devagar e só se ouvia trovões e relâmpagos que competiam com a explosão de emoções que se desenrolava naquele quarto de hotel em forma de sussuros e gemidos. Estavam entregues um ao outro, esquecendo do mundo, curiosos por ver mais, por sentir mais, por descobrir os limites de cada um, enquanto as bocas insaciáveis não deixavam de provar os sabores. Depois de tanto amor, ainda tinha espaço para mais amor. Exploraram todos os ângulos e todos os cantos, mergulhando um no outro, e descobriram, a cada instante, novas maneiras de prazer, como se fôsse possível tanto. Ofegantes e rendidos, falaram de seus sonhos e brincaram de fazer planos juntos, sabendo, no fundo da alma, que seriam planos impossíveis, mas era bom brincar.

Parecia-lhes que as horas haviam passado lentas... eternas... e que o tempo havia parado especialmente para eles. Todavia, perceberam que chegava o fim e com ele, chegava a hora de vestir a roupa e cobrir o que realmente eram. Chegava a hora de voltar à realidade, mascarar a emoção e esconder os sentimentos. Chegava a hora de voltar a ser amigos... e como seria difícil ser amigos, depois de tudo o que se permitiram experimentar! Mas tinha que ser assim...

Revestidos de uma felicidade tal, deixaram o hotel, se despediram discretamente e tomaram rumos opostos. Orlando voltou para o lar onde sua mulher o aguardava, já nervosa com o seu atraso. Renata regressou para o seu apartamento vazio de alguém e passou a noite relembrando tudo o que havia vivido naquela tarde quente de verão.

Nunca mais foram os mesmos amigos e, com certeza, nunca mais serão. Levarão dentro deles um segredo bom de se ter, selado com promessas indistintas. Olharão um ao outro com olhos que sabem demais e guardarão no paladar o gosto inesquecível que permanece tatuado no céu da boca. Ainda sonham com o dia em que possam, mais uma vez, se terem, mas é apenas um sonho perdido entre o passado e o futuro, equilibrado nas cordas da ilusão!

Orlando teve filhos e viu a família crescer, feliz. Renata ainda se viu sozinha por muito tempo, à espera de um grande amor.