OS DESAFIOS DE UM CASAMENTO
Um marido relata sua antiga trajetória por bares e botequins e sua entrada para um certo grupo religioso, traçando uma comparação entre esses dois ambientes tão distintos entre si, mas que atraem de forma tão semelhante alguns maridos que estão passando por desafios em sua vida conjugal.
O MARIDO DIZ: - Entrar para a religião fez renascer em mim o amor que me estimulou a lutar para reconquistar minha mulher. Era algo bom de sentir. Isso aconteceu nos primeiros dias da nossa conversão. Da mesma forma como aconteceu com os hebreus em meio ao inclemente deserto que tiveram que atravessar se quisessem chegar à terra prometida, aconteceu também no meu deserto chamado casamento.
- No período que antecedeu a nossa conversão vivíamos às turras. Tínhamos perdido o clima de lar na nossa casa, discutíamos pelas coisas mais idiotas e triviais que se possa pensar. Um leve desagrado era suficiente para desaguar uma tempestade tropical. As sensibilidades eram de tal forma aguçadas que posso comparar as situações que vivíamos ao que viveu o profeta Elias no Monte Carmelo, ou seja, uma simples nuvem do tamanho da mão de um homem, era sinal de grandes chuvas. (I Rs 18:44).
-Antes da nossa entrada para a igreja o clima doméstico era de constantes confrontos bastando, para isso, tão somente que estivéssemos ao mesmo tempo dentro de casa. Minha presença em casa era suficiente para desencadear um ambiente cheio de eletricidade, com muitos curtos-circuitos, então...
-A ausência de um clima de aceitação em casa, me fez buscar entre aqueles que vivam uma experiência parecida amizade, compreensão, cumplicidade, um ombro pra chorar. Nos períodos de descanso entre as escalas de serviço passei a frequentar “repúblicas” de colegas da empresa pra jogar conversa fora, pra “bater” um baralhinho, dar um “rolé” pelos bares e pracinhas das redondezas sempre acompanhado de alguém que estivesse também de folga e, de vez em quando, participava das rodadas de cerveja com eles e coisa e tal. Era algo tão precioso e relaxante que o tempo passava sem que eu percebesse e, sabendo que as coisas não iriam ficar bonitas pro meu lado quando chegasse em casa, já lá pela madrugadinha, então completava a bebedeira “enchendo a cara”, para ter coragem de enfrentar a “fera” que eu, sem dúvida, teria de encarar.
ENFRENTANDO A “FERA”
Este quadro colocou Armando como integrante de um time de pessoas que conhecia, com quem andava e que tinha o mesmo desafio. Os participantes desse time chamavam suas esposas de “reclamonas”. Diziam que só de “cuca cheia” podia-se encarar as “donas encrencas” de suas vidas. Armando afirma que hoje compreende que as esposas desses homens sofriam muito, ainda que muitas dessas esposas fossem co-responsáveis pela postura de seus maridos, os quais, não encontrando clima de aceitação em casa, buscavam-no entre os amigos do boteco.
A triste história de conhecidos casais problemáticos se repetia na casa de Armando e Camila. Essa condição transformava os companheiros de Armando em mais do que simplesmente colegas de trabalho e de copo, mas também de infortúnio. Certa ocasião li no rodapé de uma página de Seleções do Readers Digest um pequeno texto onde duas pessoas dialogavam e diziam o seguinte:
"Eu e minha mulher fomos felizes durante vinte anos!" Disse o primeiro. O outro indagou: "E depois?" "Nos casamos!' Replicou o primeiro.
Na realidade essa é a história da maioria dos homens casados que frequentam botequins. Para muitos o alvo é buscar aceitação entre os amigos da bebida, uma forma de fugir da guerra doméstica, uma alternativa para desfrutar de relativa paz pessoal.
A IGREJA NA MINHA VIDA E A MINHA VIDA NA IGREJA
Armando revela os altos e baixos que ele e Camila tiveram quando entraram para a igreja.
O MARIDO DIZ: -Após alguns anos "vivendo" nesse território de guerra tivemos a nossa experiência de conversão. Um novo tempo começou em nossa vida conjugal, tão bom e feliz, que me emociono só ao recordar. Apesar de que esse foi também um tempo de curta duração. Passados aproximadamente quinze a dezoito meses as coisas sofreram novo revés, mas naquele interregno quem quisesse ver Camila teria que me ver também. Quem me encontrasse, encontraria Camila também. Nós estávamos juntos, ligados um ao outro em tempo integral. Camila representava o tudo que eu queria. Ela era a minha vida. Íamos orar juntos nos montes da localidade, frequentávamos as reuniões de culto juntos. Saíamos juntos para todos os lugares. Eu tinha somente uma bicicleta como veículo de deslocamento, mas me alegrava em levá-la comigo à igreja, ao Banco, em passear de mãos dadas pelas ruas, enfim curtia cada momento que passávamos juntos. Eu queria tê-la por perto por puro prazer. Ela era a minha vida, o meu prazer.
Essa expressiva mudança de ares no ambiente doméstico demonstrou não possuir a necessária consistência que precisava para se manter como um recomeço real e duradouro e logo começou a retornar para o que era costumeiro. Inicialmente a sofrida esposa começou por recusar-se a fazer companhia ao marido nas suas idas ao Templo e aos lugares que gostava de curtir ao lado de sua amada como fazia nos primeiros dias da sua conversão e a cada dia ficava mais difícil conseguir sua companhia. A mulher preferia ficar em casa e, para isso, usava de várias justificativas dizendo não poder sair porque tinha responsabilidades domésticas a cumprir. Enfim não saia mais com o rapaz utilizando sempre uma desculpa que lhe ocorresse no momento. Se ele queria sair, tinha que sair sozinho e nem demorou muito tempo para encontrar pessoas que lhe dessem muita, mas muita atenção, ao ponto de fazer-lhe perceber que não havia mais tanta necessidade assim de que sua mulher estivesse com ele, aliás, nessa nova situação, sua presença nem era mais tão desejável considerando os vários constrangimentos que teve que encarar durante suas saídas e dos “arranca-rabos” que, comumente, iria encarar ao chegar à casa.
Destaque-se que este homem sempre foi uma pessoa carinhosa e afável com todos e isso o tornou uma pessoa muito popular tanto no ambiente de trabalho como na igreja e, por conseguinte, em meio a muita gente, muitos abraços carinhosos eram trocados com todas as pessoas que encontravam, independentemente de quem fossem. Homens, mulheres, crianças, amigos, parentes, velhos, jovens. Todos podiam contar com aquela natureza atraente e amigável dele, enquanto sua esposa tinha uma natureza arredia, arisca e desconfiada. Seu temperamento não admitia toques, intimidades e "frescuras".
Qualquer pessoa que quisesse se relacionar consigo, que se mantivesse à devida distância se não quisesse enfrentar aquela "cara de poucos amigos". Devido à sua natureza incomum era muito difícil para aquela esposa suportar esse comportamento de marido. Como não conseguia mudar o comportamento do marido aquilo foi se tornando profundamente desgastante e, para evitar o mal estar de ver e compartilhar as cenas "ridículas" do marido, preferiu manter-se afastada e não acompanhá-lo em suas saídas.
IGREJA E BOTECO, DUAS ROTAS ALTERNATIVAS PARA MARIDO FRUSTRADO
As situações colocadas neste subtítulo são ruins em ambos os casos. Um e outro caso são rotas de fuga que alguns maridos, incomodados pelas atitudes de suas esposas usam como alternativa, num afã de ver se conseguem atenuar o sofrimento psicológico pelo qual passam. Porém, religião ou boteco tem o mesmo poder de dar solução definitiva a qualquer das dificuldades que comumente atravessamos. Se a motivação de uma pessoa ao ir a uma igreja não for a correta o alvo não será alcançado e os desafios continuam sem solução, pelo contrário ficam cada vez mais difíceis de serem solucionadas. Cada tentativa frustrada sobrecarrega o sistema emocional com novas decepções ficando, a cada dia, mais difícil de levar a carga.
O MARIDO DIZ: -A certa altura não era mais o boteco ou a igreja que me atraíam. O que eu buscava era aceitação. A atenção que vinha de minha mulher e que me supria secara-se. Ao me filiar à igreja encontrei toda atenção que eu precisava. Agora já não carecia tanto mais da atenção dela, assim como também não precisava mais ir ao boteco da esquina buscar companhia e atenção. Eu tinha um suprimento alternativo, um grupo de irmãos da igreja supria satisfatoriamente aquela necessidade de me sentir gente. Reconheço, porém, que aquela não era a motivação correta, pois esse apego aos irmãos de fé trouxe uma dependência que me levou mais tarde a entender que na igreja ou em casa as coisas não tinham muita diferença. Encontrei pessoas com temperamentos iguais ou piores do que o que eu experimentava em casa com Camila.
Assim compreendi que o verdadeiro amigo é o Senhor Jesus e que minha relação com o Senhor no ambiente da igreja me daria a força necessária e a segurança emocional diante da desastrosa relação que eu tinha com minha mulher.
-Depois de certo tempo na nova situação Camila se enclausurou em casa e começou a agir da mesma maneira que agia no tempo em que eu frequentava botecos e repúblicas. Reclamava de tudo e de todos. Pessoas que eram a “cordinha do meu coração” tornaram-se alvo de sua antipatia e eram ridicularizados com palavras ofensivas que, por tabela, me atingiam também. Aquilo me exasperava! Isso começou por despertar um sentimento de antipatia e uma crescente resistência contra ela nos meus sentimentos.
-Ela terminou por se tornar um personagem rejeitado pelos meus melhores sentimentos. Por mim eu a descartaria de forma radical e permanente da minha vida, pena que eu não podia fazer isso por que, afinal de contas, era a mãe de meus filhos, nem mesmo poderia pensar em me separar sem colocar em risco o bem estar de meus pequeninos, segundo o que eu pensava, mas vontade de me separar era o que não me faltava. - Desabafa.
A freqüência e o envolvimento com a igreja tornaram-se o ponto alto da vida do rapaz. O seu prazer era estar a serviço do reino. Seu interesse pessoal pela igreja foi um crescendo, enquanto isso, no coração da triste esposa levanta-se uma barreira. Ela tinha uma concorrente. A Igreja. Enquanto o rapaz se envolvia cada vez mais com os trabalhos da igreja, o interesse de Camila, por outro lado, arrefecia dia após dia até o total afastamento.
As crianças eram levadas de bicicleta à igreja tantas vezes quantas o rapaz pudesse levá-las. Aquilo começou por chamar a atenção de um número grande de pessoas por lá, conseqüentemente, telefonemas de exortação para a esposa sob o julgamento das pessoas que a conheciam, mas não conheciam a história que a família vivia, começaram a espocar em sua casa a todo o momento, além dos proféticos “recadinhos de Deus”. Incômodas, importunas e inoportunas visitas começaram a acontecer na residência do controvertido casal, especificamente para a mulher afim de fazê-la ver que não podia continuar a agir da maneira que estava agindo, sem prejudicar a família, o casamento, os filhos e blá, blá, blá!!
O marido conta que certa ocasião recebeu uma visita em sua casa e aquela pessoa dizia que sonhara que a mulher tinha em suas mãos um tesouro incalculável. Rolos e mais rolos de arame de ouro eram vistos sendo entregues para ela e, segundo a interpretação do sonho, todo aquele tesouro representava o seu marido de quem deveria cuidar melhor, “homem de Deus”, "generoso", "trabalhador" e blá, blá, blá e coisa e tal. Aquilo irritava a jovem mulher de tal maneira que dizia estar ao ponto de convidar esses profetas “de meia tigela”, a que batessem em retirada imediatamente da sua casa e que não enchessem mais o “seu saco”. ... “A porta da rua é a serventia da casa!” dizia ser esta a palavra que receberia o próximo que se atrevesse a repetir o feito.
O MARIDO CONTINUA EM SEU DEPOIMENTO
- Em face do estilo de vida em que se tornou o nosso cotidiano, e a impossibilidade de promover uma solução por meio de uma separação, houve necessidade de encontrar um meio termo para seguir com a vida juntos, apesar de tudo, forcei a barra até conseguir estabelecer um modus vivendi, um armistício, uma trégua, um meio termo entre o relativo bem estar de antes e o ambiente pesado que se formou com os novos e desconfortáveis sentimentos que pousaram em nossa relação. Foram feitas várias tentativas, por ambas as partes, no sentido de buscar soluções alternativas como: “renúncias disso”, “renúncias daquilo”, “...ter que agir com calma...”, “...ter paciência...”, “...esperar no Senhor...”, “aguentar mais um pouco...”, “quem sabe se você fizer uma campanha no monte, vai dar certo!!”, “campanha disso”, campanha daquilo”. Dúzias e dúzias de conselhos e conselheiros desfilaram ao longo da nossa passarela, no tapete da nossa agonia.
E... a vida continua!