" A DESCOBERTA"

Nada mais seria como antes... A suspeita se converteu em verdade... Estava ali, apócrifa, anônima, covarde e ameaçadora... Uma ficha nominativa contendo endereço domiciliar e profissional,idade,filiação, estado civil e ganhos mensais!

Tal registro pouco representaria se no correr dos anos de chumbo não tivessem sido ceifadas tantas vidas e mutiladas tantas outras!

Alheia à toda hediondez repousa a criança em seu sono inocente... Seu corpinho frágil espera ansiosamente o momento de asilar-se no remanso beatífico de seus pais!

Seu genitor fora fichado nos registros do DEOPS apenas e tão somente por exercer uma profissão onde o intelecto não poderia se transmudar em hesitação... Como expurgar o direito natural da população em se ver informada acerca dos fatos repugnantes que grassavam impiedosos no cotidiano nefasto de uma ditadura sangrenta e pusilânime?

O tempo passa. Nada de mal acontece à essa família. A menina cresce... E herda de seus pais a facilidade para escrita, a sensibilidade musical, a simpatia pelas causas sociais e o amor pelos animais!

Ocasionalmente ao navegar em um determinado sítio na Rede de Computadores a mulher encontra o nome de seu já falecido pai consignado em uma ficha escrita anonimamente na época mais tenebrosa da repressão,ou seja nos idos de mil novecentos e setenta quatro!

Muitas lágrimas correm por seu rosto! Pobre de seu pai! Talvez tenha temido por sua vida e pela segurança de sua mulher e filha! Como poderia ele se defender sem ter sido cientificado , uma vez que inexistira uma acusação formal? E se porventura ele sucumbisse nas malévolas câmaras da morte da ditadura? O que de fato aconteceria à esta comunidade familiar?

Jamais o saberemos... Mas, doravante ainda que impossível fisicamente pai e filha estarão unidos para todo o sempre pelos laços eternos da amizade!

Nota da Recantista: Baseado em um fato verídico. Dedico ao meu pai Ramon A. Garcia ("in memoriam"), jornalista profissional emérito, fichado pelo DEOPS nos idos de 1974, época em que eu era apenas uma bebezinha inocente, frágil, tentando lutar contra as garras da morte... Que Deus te abençoe para sempre, meu pai! Saudades! Sua filha, Ivoninha