Mundo de Alguns

Abre-se a porta daquela espécie de bazar. Mais parece um brechó, com aquela velharia empilhada. Artigos de uma utilidade supérflua. Velhos transitam pelo lugar, sejam de idade ou mentalidade, com aquele desejo por quinquilharias. Na porta de entrada, um pequeno sino, como se não estivessem inventado ainda as campainhas, interfones e toda forma de sineta que irrita quem deseja preservar sua privacidade. Ontem tocaram em casa. Só de avistar, um sol de rachar, e aqueles sujeitos de terno e gravata, com o livro religioso embaixo do sovaco. Nem atendi. Preferi manter a mente ocupada com a última memória do sonho erótico que havia tido. As latas de cerveja, empilhadas dentro do saco de lixo, a imensa preguiça de colocar aqueles restos para fora de casa. Um gato sorrateiro, invadira o quintal e espalhara o lixo. Agora os pombos disputam os restos de comida que não recolhi e ficam com aquele barulho pela manhã. Como desejaria uma arma para matar essas malditas aves. Na padaria, a placa diz que “deus é fiél”, creio que a fidelidade seja tanta, que precisam enfiar um acento onde não existe. Já ouvi dizer que deus escreve certo por linhas tortas, mas parece um caso de dislexia, não sabia que sofria de erros de ortografia. Não deve se preocupar muito com a escrita, já que isso é coisa de meros mortais.

Continuo a procurar pistas nesse museu barato. Observando os olhos vazios daquele pequeno crânio moldado no gesso, que não parece tão profundo quanto o de um cadáver de verdade. As estátuas de dragões e outras criaturas mitológicas são mais empolgantes, por fazer a imaginação viajar nesses seres que fantasiamos com tanta devoção. Segurei um cristo que estava cheio de teias de aranha, não me pareceu grande coisa para se ter como enfeite. É melhor termos algo mais exótico em casa. Se eu fosse de determinados países, também não desejaria um dragão, prefiro algo mais diferenciado. Acendo um cigarro, olhando para a placa que diz ser proibido fumar naquele local. Ninguém parece se importar, nem mesmo a estátua de Buda, que recebe umas baforadas na face. Nessa hora considero menos entediantes as entidades africanas, um bom pai-de-santo com um cachimbo na boca ou uma garrafa de pinga nas mãos. Zé Pilintra, Exu Caveira, são tão bem vestidos e espalhafatosos. Sem contar as mulheres, que mostram as curvas, peitos e bunda de fora, sem aquele pudor sacal das santas, cobertas de falso pudor.

O som alto do carro em frente de casa. Porque só as pessoas de mau gosto escutam música alta nos carros? Penso em estourar a cabeça deles, e contemplar os miolos espalhados sobre aqueles malditos alto-falantes. Tem sujeito que até sente a porra saindo da cabeça do pau, por conta de um som alto. Só consegue gozar assim. Síndrome do grito. Talvez fosse o nome que algum psicólogo de formação medíocre, classificasse. E pensar que daqui a alguns minutos, estarei sentado em uma lanchonete, pedindo um sanduíche enorme, depois de beber algumas cervejas. Dizem que a bebida abre o apetite, prefiro acreditar que também o encerra. E a filha da vizinha, de voz irritante, grita o nome da amiga na frente do portão. Todos os dias isso. Parece que a criança ainda não percebeu a tragédia da rotina. Quando crescer o marido escutar aquela voz, que não deve alterar muito, vai pensar em dar um tiro nos miolos dele, depois de ter dado nos da cabeça dela. Ontem as filas estavam enormes no mercado. Cada dia as coisas estão mais caras, ainda assim, as pessoas comparecem e fazem seus gastos, que continuam altos, só que o volume das compras é menor. Basta ver os carrinhos vazios, com um item ou outro, circulando por dentro dos corredores de produtos.

O sol rachando lá fora, e eu com uma puta vontade de estar trancado, na escuridão. Dia lindo, é o cacete. A pele ardendo, o suor escorrendo. O que compensa é sentar em local bem barato, pedir uma cerveja bem gelada e deixar escorregar para dentro do corpo o refrigério da bebida e pra mente, a fuga do álcool, que é a melhor opção em um mundo de faz de conta. Ilusão por ilusão, antes se perder na mente, do que se encontrar em algum emprego que sugue suas forças e te faça um conformado. Abro um novo romance para ler, empolgado com a esperança de ter novas formas de me surpreender. Embora ontem tenha ficado bem surpreso, ao me deparar com um bicho de cor florescente andando pelo quintal. Apelidei a criatura de pulgão e o expulsei com um belo jato de água que o fez rolar para dentro da valeta. O aceno do vizinho, com aquele sorriso de cordialidade que parece nunca desaparecer, como se fosse o maior fodedor do planeta. E agora, vendo esse rabo perfeito na minha frente, enrolado com essa toalha roxa, fico pensando que também posso retribuir o sorriso dele, com uma gargalhada vitoriosa. A música rola no computador e o dia está só começando. Escuto mais uma vez a filha da vizinha, mas agora dou um sorriso, ouvindo uma música suave e provando as palavras velhas de um autor novo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 23/03/2013
Código do texto: T4203719
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