Ana sentada na poltrona de um corredor laranja com quadro quadrado, relógio redondo dos ponteiros de plástico.
Calendário embolorado com frases de auto- ajuda ‘’Vida hoje como se fosse o último dia’’. Último dia… Era exatamente o que era para Ana. Sentada com sua caixa, com seus pertences esperava sua carona. Estava deixando o banco que trabalhara durante 15 anos. Sempre teve medo de fracassar nas escolhas, de não ser feliz. Mas o que era essa tal felicidade que todo mundo tanto citava? Teve tanto medo de não ser feliz que cursou a faculdade qual ela via mais dígitos de números. Ciências contábeis. Foi sempre destaque de tudo; oradora, coordenadora, diretora. E agora sentada no corredor laranja que vendia felicidade com aqueles banners de gente sorrindo e correndo na grama ela percebia que havia fracassado no momento que teve medo de fracassar. Ana sempre foi inteligente, mas não esperta. Era do tipo de garota que cantarolava as musicas do seu disqueman em voz alta no meio da rua, que usou as meias ¾ laranjas até os 25 anos. Nunca soube nome das coisas, de raça de cachorro ou marca de bolsa. Gastava todo o dinheiro em livros e balas de canela. Não perdia tempo com homens embora sempre tivesse um e queria conhecer o mundo. Debatia Nietzsche e tinha uma rosa que ganhara do Roberto Carlos guardada no armário. Sentia uma alegria enorme em comprar roupas em liquidações. Deitava na grama e dizia que era possível sentir o coração da terra pulsando. Doava sangue pra comer o lanche que o hemocentro cedia. Seguia as pessoas na rua, amava astrologia, pintar telas e tirar os rótulos dos vidros. Ahh Ana, ciências contábeis? O que fez essa menina lá atrás dos tempos desistir dos pensamentos altos, dos palcos? De pintar as telas, de vender velas?
‘’A vida’’ - ela concluía sentada na poltrona de um corredor laranja com um quadro quadrado e um relógio redondo com ponteiros de plástico -.