Beethoven e a Louça
Hoje fiz o que faço todos os dias. Acordei. Isso tem um significado, mesmo que insignificante. O cachorro do vizinho é meu despertador. Se ele latisse, eu entenderia, mas ele gani, e isso soa estranho aos ouvidos que estão acordados enquanto durmo. Fico feliz com a mangueira que comprei, mais longa e com um esguicho forte. Isso deve ser alguma referência fálica a que me apeguei. Mas é maravilhoso, empurrar a sujeira com a força da água, feito um bombeiro inútil. Podem me criticar por não economizar água, mas eu peço que busquem explicações nas grandes indústrias. Porque sempre responsabilizam o sujeito comum. Aparece um ou outro ativista, com aquele discurso que daqui há não sei quantos mil anos, a coisa vai ficar feia, talvez um século. Até lá já não restará nada mais de mim. Dizer que os antigos se preocuparam conosco, é pura tolice, cada um vive como pode. Meus filhos e netos que se virem. Como eu tive que me virar, o problema será deles.
Esse assunto de ecologia, ou qualquer outro nome da moda, que queiram dar, como sustentabilidade, meio ambiente e todo esse marketing para vender produtos “ecologicamente aprovados”, me fez recordar do mar. Odeio aquela água salgada embaixo de um sol de rachar. A pessoa vai para se refrescar e volta com insolação. Praias lotadas, coliformes fecais em quantidade absurda. Um belo esgoto para se banhar. Aproveito e utilizo o espaço apropriadamente. Nada mais gostoso do que fazer do mar um banheiro. Dar uma cagada dentro daquelas águas é de um prazer indescritível. Nem precisa de papel para limpar a bunda. As águas fazem o serviço. Ainda temos a sensação morninha de quando urinamos. Tudo com o balanço das ondas. Depois eu saio, sento na areia, à noite é claro, e aprecio aquele luar, com a imensidão do céu refletida naquelas águas escurecidas. Esqueço as fezes de cães na areia, perdido em meus pensamentos. Com o perigo de se cortar em caco de alguma garrafa quebrada ou lata partida.
Chego em casa e aquela pilha de louças na cozinha. Ligo o computador e seleciono uma música. Nada como lavar louça ouvindo a 5ª Sinfonia de Beethoven. Empilhando os talheres no escorredor. As mãos com aquele aroma de detergente, misturado aos diversos cheiros de restos de comida. Agora o cachorro do vizinho late. O acúmulo de sacolas plásticas, que vamos amontoando uma dentro da outra, para depois servir de saco de lixo. Utilizo o durepox para vedar o vazamento da pia. Unindo as massas, uma clara e outra escura, fazendo-as cinza. Pareço brincar de massinha. Eu sobre minha mulher, ela sobre mim. Revezamos. Ela mais morena. Nos misturamos. A cama rangendo, o gozo escorrendo. Esse tipo de vazamento é bom, não precisamos saná-lo, já que ele para sozinho. Deito sobre o peito dela, fazendo teus seios de pequenas almofadas, roncando.
Tudo é tão simples quando não desejamos complicar. Preparo um macarrão instantâneo, que demora mais o preparo do que a embalagem indica. Geralmente as instruções de comida são sem graça, incrementamos do nosso jeito e fazemos a coisa ficar mais saborosa. Acredito que cada um tem sua própria receita, pela forma como faz. Ser a tv tivesse programação interessante, me entreteria, em vez disso, me entedia. Pego um livro, abro e leio alguns poemas do Bukowski. O mundo não acabou ano passado como disseram. Agora encaramos 2013. Somos nós que acabamos. Por isso, contemplo essa parede de quadros, com imagens de pensadores mortos. Todos se foram, um dia estarei entre eles. Não me junto aos ditos pensadores, mas aos que se foram. Adoramos os falecidos porque já nascemos mortos. Um brinde amigos, a nosso comum infortúnio. E agora, bebo um copo d’água e