É... aconteceu em um natal

Todos reunidos, aguardando os convidados. Os anfitriões, tendem a preparar a casa, enquanto tagarelam a respeito dos que estão por chegar. Faz calor, com uma quentura que parece assar o pernil sem a necessidade do forno. A noite demora chegar, com o sol, atravessando a pele com seus raios potentes, fazendo camisas claras apresentarem aquele borrão de suor. Aquela morena de pernas longas e coxas grossas, com um vestido curto que faz a vista se aventurar naquele decote que se faz ao cruzar as pernas. As pessoas começam a chegar, sempre com os sorrisos da recepção de os abraços contidos. As horas passam e a comida é servida. O sabor daqueles pratos exóticos, por terem a exclusividade da data para serem feitos. A empolgação das latas de cerveja, a conversa fluindo e os dramas sendo expostos, sem receio, no acolhimento da paciência alheia.

Sempre alguém tem um caso para contar. Claro, que os novatos, tendem a ficar mais calados, apenas observando os tagarelas. As crianças correm e desperdiçam sua energia, que tem um estoque reserva. Fazem a chamada para o amigo oculto. No começo, os apressados, que desejam se livrar do peso de ter tirado quem não desejam, expondo logo a pessoa, sem muito suspense. O ranzinza aparece, quase estragando a brincadeira, com seus trejeitos rudes e o rosto de maracujá ressecado, carrancudo. O suspense, abre ou não abre, o que pode ser uma surpresa agradável ou não. As fotos, com abraços carinhosos e forçados. Casais suando juntos, com beijo mais molhados de sudorese do que de saliva. Água e refrigerante à vontade. Em algum momento, algum sujeito pedante, tende a fazer uma citação, tentar recitar alguma coisa decorada, com o desejo de causar impacto, chamar a atenção. Tudo isso, com uma obra de James Joyce sobre o banco da varanda, aguardando a continuação de sua leitura, com um marcador gasto dentro.

Pulamos etapas. Mencionamos a sinceridade das crianças, que cita nomes que não são ditos e comentam sobre atitudes que os adultos fazem vista grossa. Os animais, latindo, miando, conversando. A janta, com aquele desfile de pratos, um mais decorado que o outro, se equilibrando na passarela, diante dos olhos alheios, que investigam cada combinação gastronômica. Uma música aparece de fundo, competindo com a televisão, com aquela programação hedionda dessa época do ano. Dizem que o motivo disso, é obrigar as pessoas a se reunirem. Apenas uma noite, tentando não se matarem. Que ironia, existe muito amor. Basta ver os pais com olhos brilhantes diante dos filhos, as avós cativando os netos, os namorados excitados. Vez ou outra alguém se lembra de rezar, assim como outra qualquer das tradições que a religião prega. Pacotes de presentes desembrulhados, espalhados pelos cômodos, como cães demarcando o território festivo. Mais do que esses vestígios, só os dos beberrões, que deixam uma lata em cada pé de cadeira.

Dorme-se sempre mal, seja por causa do excesso de comida ou bebida. Acordam com aqueles rostos abatidos e encaram o almoço. Os mais guerreiros, já continuam a bebedeira, escorados no ditado de que uma ressaca cura outra. Agora, reunidos por mais um dia, o clima se torna mais pesado. Interessante como o motivo surge de algum comentário, aparentemente banal. O mal humorado, emburrado, tenta argumentar. Alguém aponta, mencionando que priorizar o atendimento ao idoso em emergências é justo, mas em casos triviais, como resultados de exames, deveriam seguir com rigor a ordem de chegada. Acrescentando que o sujeito que trabalha, acaba sendo lesado, já que o idoso, — com tempo disponível de sobra — não possui grandes problemas em aguardar. Pois, tende a chegar, inclusive, muito cedo em filas, o que demonstra a falta do que fazer no dia-a-dia. O diálogo explode. Alguém comenta que empresas contratam idosos para pagarem boletos em bancos, onde eles abusam de seu direito para realizarem um serviço que não poderia ter esse tipo de regalia. Um velho, aponta o dedo, e diz que deseja saber, o que esses que reclamam, farão quando ficarem idosos. Eis o espírito de natal, reinando, todos discutindo reunidos, na data festiva, o que renderá mais um ano sem se cumprimentarem, até outra data dessas, onde ocorrerão mais abraços falsos e verdadeiros e tolerância até a próxima discussão.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/12/2012
Código do texto: T4055906
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