Boca Censurada

Em um dia, conversando com amigos, trocando beijos apaixonados e provando delícias da culinária. Eis que um dia acaba sendo de fardo e esses são os que ficam na memória. Primeiro, o sono. Aquela forma de dormir forçada, com os olhos abaixados intempestivamente. Acordar de forma turbulenta, na busca pelos mais íntimos, no desespero da dor e na ânsia pelo consolo do colo querido. Os desconhecidos, aglomerados ao redor, com olhos de compaixão encenada. Aquele cenário limpo, que chega a ser falso. A espera, sempre ela, angustiante espera, que faz o tempo andar a passos de jabuti. O corpo, pousado sobre uma cama móvel, com trajes deselegantes, que expõe uma nudez desleixada.

Algum tempo depois, presa em uma caixa de metal, os olhos perdidos, ainda buscando o ponto fixo na realidade que escapa. A luz baixa, com aquela atmosfera silenciosa, escutando apenas o som do ar condicionado. A mão dói, sendo ligada por fios que transmitem líquidos, que pingam vagarosamente, em sacos suspensos. A voz tenta sair, em vão. Dói falar. Por isso, se cala. Passando a observar os que a cercam, com seus olhos de piedade e suas mãos de carinho. Um entra e outra sai. Tenta engolir uma pequena saliva, e esse gesto simples, fere. Tenta suportar. Mais a sede é cruel. A boca seca, agoniza por água. Um pequeno gole de um copo diminuto, apenas isso. A dor é violenta, as lágrimas rolam, escorrendo pelo canto do olho, em um drama individual. Deixam esses atrativos coloridos líquidos, como se fosse simples absorvê-los.

Os copos ignorados, se acumulam na bancada. Mais perfurações. Agora é a morfina que age. Não existe posição cômoda quando se está em um estado incômodo. Quisera permanecer o mínimo de tempo possível, mas soubera que a estadia seria prolongada. Geme, pois é o mais próximo da fala. Engolir se torna um processo complexo, como um bebê aprendendo a degustar. Os lençóis se enrolam nas pernas dobradas. Os mecanismo fazem o colchão inclinar. A estética não é mais prioridade, já que a aflição faz ignorar certas preocupações. Tossir é outra angústia. pedaços de sangue coagulado instigam o vômito. Mais sede. Agora também a fome. Se beber é árduo, comer é impossível.

Ao lado, uma dupla feminina, com idades bem díspares, conversa sobre dissabores no trabalho. Sendo que a mais velha, de fala moderada e palavreado rebuscado, procura suprir as ansiedades da mais jovem, que está acamada. Adentram os meandros da crítica cinematográfica, expondo títulos e autores. Discorrem sobre uma vasta lista de filmes, ressaltando interpretações e fiascos. Também reclamam de fome. Parece que todos sofrem com o apetite ali. Pergunta-se a hora apenas por distração, já que o tempo será sempre vagaroso e carrasco. Uma televisão se mantém suspensa e desligada, contribuindo com o silêncio. Impacientes, transitam e buscam atendimento. Sinetas tocam há todo momento, em uma melodia de uma nota só.

Ela continua deitada. Seus cabelos caem sobre o travesseiro, acariciados. Beijos em sua face. A pele magnetizada, causando certo arrepio ao ser tocada. Seus olhos infantis, por contra da fragilidade. Um beijo nos lábios fechados. Dormir e esperar. As madrugadas, afetadas pela transição, aparelhos indo e vindo, novas pessoas chegando. Nem um livro para ler. A tv, agora ligada, exibe uma programação patética. O pensamento não se deixa aprisionar além do cérebro, indo em busca de uma instalação mais confortável, mesmo com interrupções que a dor causa, fazendo retornar ao estado ansioso. Existem os dias melhores, mais também, os piores. Logo estará em casa, beijada, amada e sossegada. Não há dor que dure pra sempre, apenas o amor, que será ilimitado, em cada limite que o instante lhe der.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 23/12/2012
Código do texto: T4049839
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