Um Emprego
Após um final de semana tedioso, chegara segunda. Apresentando-me, de manhã cedo. Bem cedo. A espera junto a um grupo de homens em frente à entrada de uma indústria. Cigarros acesos, trailers com aguardentes sendo vendidos a troco de vale transporte. Conversas sobre antigos empregos e despesas duras a serem quitadas. Horas e mais horas se passaram. Surge um rapaz alto e magro, portando uma prancheta em uma das mãos e um pacote de salgadinhos na outra. Pediu que se aglomerassem ao seu redor. Disse haver poucos números disponíveis. Chamaria a esmo os candidatos às vagas, segundo ele, sem fazer distinções. Sentou-se sobre uma pequena mureta e começou a fazer as convocações.
Primeiro, apontou para um homem gordo e com barba por fazer. Dizendo que viesse para o lado esquerdo do grupo, e aguardasse encostado ao muro. Em seguida, chamou um mulato magro e de olhar triste. O dedo era apontado e a pessoa indicada, se dirigia ao ponto de espera. Um sujeito ofereceu a irmã, dizendo que era bem apanhada e que precisava muito do emprego. O rapaz da prancheta, após um sorriso malicioso, disse não poder ceder a esse tipo de oferta, acrescentando que poderiam conversar em outra ocasião, já que talvez em outro expediente, houvesse algo no perfil daquele candidato. Havia mais de cinquenta homens, sendo que foram chamados, vinte.
Recebidos os crachás para transitarem dentro da empresa. Atravessaram as roletas, encarados pelos seguranças. Foram conduzidos até o refeitório, onde desfrutaram de uma porção generosa de comida. Já passava das duas horas da tarde. A carne era mais escassa, mas o arroz, feijão e salada, eram à vontade. Um suco ralo e uma sobremesa de pouco sabor. O próximo passo, ainda fazendo a digestão, era uma caminhada até o almoxarifado. Chegando no local, o recebimento dos uniformes, que já haviam sido usados por funcionários antigos. Todos com rasgos e sujeira que nem mesmo um bom lavador de roupa daria conta. Algumas botas vinham furadas, o interior revestido com alguma espuma improvisada.
Todos sentados, aguardando a nova chamada. Um homem de baixa estatura e acima do peso, com bigode vasto, iria chamando, conforme os candidatos fossem se apresentando. Todos seriam direcionados para algum setor da enorme indústria, transportados na carroceria de uma caminhonete. A primeira leva foi levada. Enquanto os outros aguardavam, alguém acendeu um baseado, passando o cigarro de mão em mão, todos dando sua tragada. Um sujeito que falava pelos cotovelos, dizia que logo sairia daquele emprego, só aguardaria o registro, para receber o holerite, o que facilitaria abrir crédito. Disse que pretendia contrair dívidas e não quitá-las, transferindo-se para outra cidade. Mais uma vez a caminhonete voltara, levando, após três viagens, a última leva de empregados.
Em um setor escaldante, um dos novatos, era apresentado por seu encarregado aos demais. Contemplara no vestiário, homens nus conversando, um negro alto, passava talco no pênis com naturalidade, enquanto tecia comentários sobre uma partida de futebol. Nos chuveiros, estrados de madeira fétidos, água apenas gelada, armários com portas amassadas. Um assistente de supervisor chegara, ocorrendo falas sussurradas e pessoas vestindo as cuecas. Quando ele se retirou, alguém comentou que era o “manja rola”. Pois tinha o hábito de cravar os olhos nas genitálias dos operários. Na sala do supervisor, o novato era conduzido com cautela, admirando o par de pernas da secretária, que tinha sorriso simpático e olhar falso. Foi perguntado sobre o que trabalhara anteriormente. Sendo honesto, respondeu que fora vendedor. O supervisor enfurecera, dizendo que contratavam inexperientes e depois os acidentes caíam em suas costas.
Saíram da sala. No caminho, o encarregado dizia que o supervisor era um bosta. Disse estar cansado, que o rapaz deveria buscar coisa melhor que ele, pois seu destino já estava selado, sem qualquer esperança de promoção. No setor onde trabalhava, sentia o mormaço das caldeiras, fazendo com que seu corpo ficasse no final do dia, aniquilado. As idas aos trailers de lanche se tornavam frequentes. Os novatos, passavam direto pelos bares no início da contratação, depois paravam para beber uma cerveja ou outra, acabam bebendo todos os dias, passando daí para a pinga. No final, estavam já bebendo na chegada do trabalho, para conseguir encarar mais um dia. As mulheres dentro da empresa, se vestiam tão cobertas, que muitos achavam que nem tinham mais bocetas. Ainda assim, sempre um ou outro se satisfazia em alguma cabine de banheiro ou outro local reservado. Sem contar os casos entre os homens, que se tornavam tão íntimos, que acabam resolvendo entre si o desejo por sexo.
Naquela área, alguns operários apresentavam leucopenia, devido à exposição aos gases. Muitos suicídios e aumento de taxa de alcoólatras. Os acidentes eram corriqueiros, com brigas na justiça por mixas indenizações. A hora de descanso, era consumida com uma refeição rápida e o aproveitamento do restante dos minutos, escorado em algum saco de cimento, com operários deitados, dormindo ao longo dos caminhos. Os uniformes, os rostos abatidos, o trânsito de pessoas. Montes de guimbas de cigarro, se tornavam montanhas, aproveitadas por algum viciado em nicotina, que se servia daqueles tocos. Os vestiários, com aroma de fumo, suor, saco, merda e mijo. Mais um expediente sendo encerrado. A fila do ponto e o encerramento de vidas, massacradas pela necessidade de sobrevivência. A única dignidade que existe, é resistir, em nome da esposa, dos filhos, do marido. A máquina se alimenta de corpos, até deixá-los sem vida, em vida.