Entre os Livros

Ah, sim. Era chegado o momento. Caminhava por entre rostos desconhecidos, que se faziam conhecer pela prática da insistência em se fazer presente no cotidiano de um ir e vir tedioso. Se pudesse, morderia aquele fruto proibido, ainda que houvesse de sentir o agravo da herança do pecado. Mas só faço comer esse lixo que mal consigo digerir, eis o verdadeiro sentido da merda da vida. Vez ou outra me deparo com alguns desses românticos, que não passam de solitárias criaturas, que só sabem agregar depressões, acreditando dominar o mundo, quando na verdade, são massacrados por essa massa que os absorve a cada momento, ou seria senti-mento.

Como adoro me embriagar com esse perfume barato, que faz das damas, perfeitas putas de cabaré barato. Não há mistério, está tudo aí, creio mais que haja ministério, o que nos torna esse monte de carneirinhos indóceis, prontos a qualquer momento, a pararem de soltar seus conhecidos gemidos, indo de forma suicida, contra esses falsos senhores de uma moral fingida. Bebamos dessa poça d’água, já que essa sujeira contida, será o mais próximo do limpo que conseguiremos chegar. Limpeza é tão estéril, por isso fizeram do sexo algo sujo. Nada como se lambuzar de gozo, suar, trepar um sobre o outro, gemer e amar. Pura antropofagia, come-se uns aos outros. E essa luz, sobre minha cabeça. Prefiro, a chama das velas, a eletricidade me parece industrial demais, o fogo me torna mais bicho.

Falam desses prazeres, sendo que na maior parte do tempo, temos desgostos, dores, aflições. O prazer parece um oásis sempre ponto a secar, fazendo com que sigamos pelo deserto de nossas angústias. Vem o sol, mas espero mesmo a lua. A noite vela, o sol revela. E ainda respiro esse ar de fuligem, e meus pulmões agradecem. Forço a porta de um cômodo, sem saber para que lado ela abre. O esforço serve para demonstrar que irei transitar, pois ali existe um portal. Me coloco no meio, gosto de estar em mais uma dimensão, como se me esquartejasse, desmembrando conforma as linhas de demarcação. O homem é um território. Basta que estabeleça limites a seu corpo, e pronto, estará em um espaço político de si. A penetração anal e vaginal, bem como o beijo de língua e outras tantas explorações sensuais, são combates de fronteiras.

Se eu fosse teísta rezava, como não creio, acabo pensando. Pensar é pior do que esvaziar a mente em fé. Porque o pensamento oprime, a ponto de enlouquecer, fazer com que sejamos essa caixa craniana infernal, que consegue dominar o restante do corpo. Fecho os olhos, mas adormecer é deixar o cérebro comandar de forma mais livre, já que ele age com menos entraves que o despertar seguinte promove. Dormir alcoolizado é de uma profundidade nauseante, que às vezes faz até vomitar. De que servem essas piadas eruditas, se o público é néscio? Muitas vezes já sabemos a princípio, que tende a fracassar, ainda assim, insistimos, por puro desejo de insucesso recalcado.

Agora que me dei conta. Estou passando os dedos entre os livros. Observo os vãos que vou provocando entre cada um dos volumes agrupados. As cores das capas, o aroma do mofo, misturado ao cheiro das novas encadernações, que chegam a ter a capa brilhante. Poderia ser uma pulga, um ácaro, talvez uma mosca. Iria saracutiar pelas páginas. Seria uma leitura diferenciada. Quase engolido por cada letra, que se tornaria um símbolo enorme, que eu feria de percurso. Mas esse tipo de animal não conseguiria ler. Pelo menos, é nisso que creio. No máximo, seria esmagado, esquecido amassado no livro fechado, ou expulso com um peteleco. Estaria voando, pousando em um abrigo, observando cada autor, no seu processo de criação. Não. Isso seria doloroso demais, muitos ídolos se corromperiam, prefiro deixá-los no campo do “eu acho”. É no instante seguinte que eu morro, sempre é um após, por isso temos a tendência de buscar algo, para que nunca cheguemos ao fim, pois o ponto final é a marca do não mais existir, daí a necessidade em se fazer reticências. Agora uma boa tragada der whisky e tudo estará de volta ao a-normal.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 23/11/2012
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