TEMPO DE GABIROBA
Mesmo que eu nunca venha a escrever um livro de minhas reminiscências, não posso deixar de registrar algumas delas. Como os passeios que meu pai fazia conosco nos tempos de Gabirobas. Eles aconteciam em meados de novembro, quando a estação das chuvas já havia se firmado e a vegetação dos cerrados revelava os primeiros brotos verdinhos e viçosos. Meu pai escolhia um dia de sol e à tardinha colocava a turma na saudosa caminhonete azul e branco e seguíamos em verdadeira algazarra para o campo.
Minha mãe, sempre muito preocupada com os filhos, ficava indignada com a atitude do meu pai: “Você não tem juízo. Como é que pode, levar esses mininos pro cerrado? Não duvido nada que venha encontrar uma cobra enrolada nas moitas de gabiroba”. Mas meu pai levava a vida assim, na maior simplicidade do mundo, e fazendo como quem não escutava, lá ia ele com a “cambuia” enfiada na carroceria da caminhonete. No trajeto que atravessava toda a cidade, íamos gritando para outras crianças: “Vamos catar gabiroba.”
Adentrávamos o cerrado e começávamos a festa. Cada um escolhia uma moita e dava uma ordem nela, naquela que fora ordenada, mais ninguém podia colher, a não ser que fosse convidado. Havia moitas em que as frutas estavam mais maduras, já outras apresentavam frutas maiores e mais apetitosas. A briga se fazia logo que alguém ousava alongar uma mão mais atrevida, para alcançar as frutas já marcadas por outro.
Vez ou outra, quando chegávamos ao cerrado, já se encontravam ali outras pessoas da cidade na colheita. Alguns mais espertos que chegavam antes aos lugares que eram do nosso costume. Então tínhamos de dividir os pontos, o que na verdade era ainda mais prazeroso, pois ali encontrávamos muitas outras crianças conhecidas.
Vez ou outra caía uma manga de chuva inesperada que corria com todo mundo do cerrado. Nessas horas a carroceria da caminhonete ficava pequena, mas no fim, levava todo mundo de volta pra cidade.
Ah... Isso é o que se pode dizer de uma saudade boa! É mesmo uma pena que nossos filhos e netos, não tenham a alegria de viver momentos como esses de minhas lembranças. Primeiro, porque tais espécies de frutas estão praticamente em extinção e segundo, porque a geração “virtual” anda ocupada demais com tantas atrações tecnológicas e não dispõem de tempo e nem de interesse para emoções verdadeiras.
Outras frutas que também gostávamos de colher no cerrado: Mama Cadela, também conhecida como Fruta Cera; Araticum ou Marolo; Araçá e Milho de Grilo. Estas, assim como a Gabiroba sumiram completamente dos cerrados de minha região, porém esses pueris momentos de verdadeira alegria não sairão jamais de minhas doces lembranças.