Sob o Sol Noturno
Esse halo que paira sobre minha cabeça. Astro diminuído, que se projeta, pela força de um clique. Ainda penso a respeito de algo, que talvez seja alguma ideia dispersa, que me persegue feito sombra. Correndo em volta do meu cérebro, ao mesmo tempo, estando dentro dele, um verme que rói, corrói, destrói. Vários comprimidos não resolvem o desespero, fazem apenas contabilizar os náufragos que se perdem dissolvendo no meu estômago, atingindo minha corrente sanguínea, que não passa de um rio que um dia terá sua nascente extinta. Meus pequenos cascos, que arranco lascas pequeninas e espalho em um chão que não permite cultivo. Foda-se a realidade, já que ela é ilusória. Porque não um porre, se cada gole é uma fuga, desse cárcere do dia-a-dia?
Eis a música, que a cada acorde, me acorda do sono dessa embriaguez medíocre do senso comum. Perco o senso, socando a cabeça com pensamentos oblíquos, que me inclinam para esse quase nada, que me faz chegar na beira do precipício, sem me jogar desfiladeiro abaixo. É a covardia das bordas, que me faz recuar. E nesse instante acendo o cigarro, que queima como um pavio que só explode as toxinas nesse corpo roto. Já nasci velho, já que a humanidade não é de hoje. Um bruxo solitário, vivendo de magia do ego, na tentativa de resgatar esse resto de impressão, diante de uma enxurrada depressiva, que só faz enterrar a cabeça nessa carne à toa. Já consigo com isso, rir dentro de mim, fazendo um eco que arrepia.
Já posso escutar os pássaros e eu os adoro, assim como detesto os passarinho,s que anunciam as manhãs, com seu canto estridente e somado a tantos outros, que fingem entusiasmar-se, já que só nós inventamos essa fraude. As aves noturnas são mais severas nos seus sons, criando aquela atmosfera de suspense. Os galos, consigo aturar, já que estão no meio do caminho, anunciam a manhã, ainda agarrados à noite, feito vigias, que dão o alarde para os vampiros se retirarem para suas criptas. Nenhum deles se importa com aquelas mãos escuras, encardidas, que vasculham os sacos pretos, remexendo latas, fezes, plásticos, em busca daquele final de sanduíche frio, que já fede, mas ainda pode ser devorado por uma boca faminta. Para que fechar os olhos, se já pressentimos o horror da cena? Arregalo os meus, feito um felino que dilata as pupilas, afim de captar cada detalhe, para que possa sofrer bastante, pela minha responsabilidade em contribuir com a miséria.
Preciso de um trago. Algo bem forte, que faça o corpo queimar por dentro, para me deixar tonto, tendo que se apoiar em paredes que se movem. Bêbado, posso me aliar aos miseráveis, na condição de vítima de um vício. Meu travesseiro é cheio de penas, tanto a que sinto pelos outros, como as que pago, por uma vida de merda. Não olho para trás quando ando, por desejar jamais observar aquele torto caminho percorrido, com os olhos distantes, tento ver além da próxima curva, distraído em relação a meus pés, que só fazem obedecer esse comando motor. O ar gelado, é fabricado, só para me demonstrar o quanto somos frágeis e necessitamos desse aparato artificial. Nossa dádiva é essa incompletude, que faz com que possamos criar. Nunca se é suficiente. Nem mesmo, se juntássemos todas essas incompletudes, conseguiríamos solucionar essa equação sem resposta.
O mistério é o homem, porque sabe de sua deficiência, explorando-a, feito um falso aleijado, que busca lucrar com aquela condição que acredita ser uma farsa. Mas realmente somos aleijados, e a ingenuidade é acreditar termos descobertos meios de ludibriar nossa condição deficiente. Cada dia perco uma parte, tendo como sobra, aquelas sensações do órgão que outrora eu via e sentia e agora só pressinto sua presença, em forma de desespero. Chega desses beijos sebosos, agora quero as mordidas violentas, para sangrar, ferir, machucar. Só um ato resolve o problema. Mas quem disse que desejo me poupar da agonia? Espero, feito um resignado, que busca na dor, a superação do estado medíocre, tornando-se algo, que irá provocar novas agonias. Pois isso que podemos criar. A angústia. E ela, germinará nos corações, a ponto de sufocar os peitos, inquietando os deficientes, que já começam a buscar apoio, pois o conforto da falsa bengala, irá rachar, e será pelas frestas, que irei me infiltrar.