A CAIXA TROCADA
Após mais de seis anos expatriada, Lúcia decidiu que era o momento ideal de voltar ao seu país. Havia ido para Londres em 2002 e como todos os imigrantes levava um grande sonho: construir um futuro melhor para si e suas três filhas. A saudade dos entes queridos, a fazia aceitar com muita garra todas as ofertas de serviço que não lhe faltavam.
Após esses anos, o mercado de Londres já não oferecia tantas vantagens e consequentemente Lúcia não via motivos para continuar tão longe da família. Ademais, já havia construído um pezinho de meia no Brasil. Decidida, anunciou seu retorno.
O momento da volta requisitava uma prática em selecionar, separar e descartar objetos. Roupas, só levaria o que fosse estritamente necessário. Calçados, ah, calçados é uma coisa que toda mulher adora, então levaria os mais interessantes, do tipo que não se encontra pelas vitrines do Brasil. Utensílios domésticos, só os presentes recebido das patroas na ocasião das despedidas. Móveis, não levaria nenhum. Deixaria na casa. Quem sabe um outro brasileiro alugaria o imóvel, e assim como ela, talvez precisasse de uma forcinha logo no começo.
Mesmo selecionando minuciosamente, eram tantas coisinhas que gostaria de levar, que as enormes malas já não fechavam mais. E como sempre acontece em todas as mudanças, há sempre as famosas caixas que de última hora, acabam solucionando o problema de espaço para aquelas coisas especiais: Fotografias, vídeos, perfumes, miniaturas, presentes recebidos de tantas amizades que deixaria para trás... Memórias registradas em objetos e também num pequeno diário que contava todas as aventuras vividas na grande viagem de sua vida.
As caixas são excelentes! Umas levam memórias, lembranças, arquivos. Outras, menos importantes, porém não menos necessárias, levam os descartes: sapatos gastos, porta retratos que só iriam pesar a bagagem, frascos com restos de perfumes, bolsas velhas, papéis e mais uma lista de coisas que eram destinadas ao lixo. Uma dessas fora utilizada para esses itens. A caixa de lixo.
Pronto! A mudança estava organizada. No outro dia bem cedo, o encarregado da transportadora, haveria de pegar as coisas já embaladas para enviar para o Brasil. Era hora de dormir. Antes, porém, olharia mais uma vez a janela, acariciaria aquela vista que tantas vezes a vira chorar de saudade e daria um boa noite a Londres. Um boa noite comprido, registrado num longo suspiro...
Mas ainda faltava uma coisa, uma só. Levaria o lixo até a entrada do prédio. A caixa era pesada, mas valeria seu último esforço, sabendo que dormiria tranquila para não ter que acordar antes do carro do lixo passar.
A volta foi um grande passeio, num voo tranquilo da TAM. Seus pertences seguiram de navio, para economizar despesas. Assim que chegou a sua casa no Brasil, após um merecido descanso, começou a organizar as coisas que trouxera da viagem. Presentes para as filhas, amigos e parentes: Roupas, sapatos, objetos pessoais e algumas novidades para a casa nova, que aos poucos havia construído enquanto estava fora.
Mas, e a caixa de lembranças? As fotos, os vídeos para mostrar para a família, pois já estavam todos ansiosos para conhecer a linda cidade e as aventuras que Lúcia havia vivido em Londres. Depois de muito procurar, finalmente Lúcia encontrou a famosa caixa de memórias. Toda a família estava reunida e se espremiam nos sofás, para ver as fotos e os vídeos. Uma tesoura fora solicitada para cortar as fitas adesivas que protegiam a embalagem. De repente um grito de Lúcia fez com que todos se levantassem de uma só vez, para ver qual era o motivo de tamanho espanto.
A caixa que havia seguido para o Brasil, era justamente a caixa de lixo. Exatamente aquela, que Lúcia pensava haver levado na portaria do prédio na noite véspera do embarque. A outra, a verdadeira caixa de suas memórias, nunca apareceu...
Restaram-lhe apenas as suas próprias memórias, aquelas registradas no seu coração e em suas lembranças, mas que ainda podem ser contadas por ela e talvez com muito mais emoção...
Obs: Conto verídico acontecido com minha irmã que morou alguns anos em Londres.