UNIVERSIDADE POPULAR DE REALENGO

Comecei a trabalhar muito cedo para ajudar no sustento da casa. Morando longe e ganhando pouco, para mim ficou muito difícil completar os estudos, mesmo o fundamental,

A família estava sempre se mudando, e sempre para uma casa mais humilde e num bairro mais pobre. sendo assim, até conseguir outra escola, o ano já estava perdido.

Naquela época, o ensino era dividido em trés partes Primário, Ginásio e Científico.

A faculdade era um sonho, mas tão remoto, que poucos ousavam sonhar.

Não conto isso com tristeza, pois não era infeliz, muito pelo contrário. Aprendi a aproveitar da vida qualquer coisa que a vida me oferecia.

Era um banho de rio, uma invasão no quintal do vizinho pra roubar umas frutas, até mesmo uma namoradinha com as meninas da minha idade... Mas, o que abriu a minha cabeça para um melhor entendimento, de como me situar no mundo , foi sem dúvida, A FEIRA.

Isso mesmo, a feira livre.

Foi amor a primeira vista.

Quando o meu irmão mais velho apareceu com as duas rodas de uma velha bicicletinha, achada num monturo de lixo, sentí naquele momento que alguma coisa muito boa estava para acontecer.

A ideia era fazer um carrinho de mão e ganhar algum, carregado as compras das madames.

Madame era força de expressão, queria dizer, qualquer pessoa disposta a pagar pelo carreto.

A confecção do carrinho, levou pelos menos umas três semanas. Faltava arranjar madeira, prego, parafusos, ferramentas e ainda planejar como seria o tal carrinho.

Além das duas rodas, que era o mais difícil, não tínhamos mais nada.

Por sorte, o monturo de lixo guardava um verdadeiro tesouro para quem soubesse procurar.

Não foi problema juntar algumas táboas, restos de construção.

Só tivemos que comprar os pregos e os parafusos.

Com um velho serrote, um martelo e um alicate, emprestado pelo filho de um vizinho , que pegava escondido, mas tinha que devolver, antes que o pai dele chegasse do trabalho.

Nem vou contar toda a saga do carrinho de mão, é muito comprida... Finalmente, e depois de muito trabalho, abri a minha emprêsa de carretos, de sociedade com meu irmão e o tal garoto que emprestou as ferramentas.

O negócio de fazer carretos só não foi melhor, porque tinha sócios demais. mesmo assim, eu conseguia vislumbrar mil perspetivas, mas, eu ainda não sabia muito bem de quê.

Já na quarta ou quinta vez, resolvi deixar o negócio de carretos na mão do meu irmão e do outro menino.

Eu gostava mesmo era de ficar na feira andando entre as barraca e olhando os camelôs, que ofereciam um show a parte.

Tinha um vendedor de ervas que se apresentava com uma cobra, parecia uma jiboia e eu ainda não falei dos cantadores de repente que faziam desafio em versos improvisados, enquanto vendiam livretos de cordel.. ,

E assim fui tomando o gosto pela leitura e escrever uns versinhos,

Eram versos pobres e de pé quadrados, mas, já era um começo.

Sem esquecer jamais do famoso "Óleo do peixa elétrico" também conhecido como o óleo da baleia azul ou o óleo do peixe boi.

O nome do bicho era irrelevante, pois óleo e o efeito eram iguais.

Considerando que eu não participava mais do trabalho de carreto, era justo que eu recebesse a menor parte do faturamento.

Eu achava que não, mas preferi não discutir.

Com a minha parte da grana, comecei a comprar dos meninos da minha rua, revistas usadas, qualquer uma que estivesse em bom estado.

Em pouco tempo, e já com um bom estoque, incluindo as que eu já possuía, montei uma banca, no chão, de revistas usadas.

Meu irmão era mais esperto que eu nos negócios, e me ajudava trocando com os moleques das outras bancas uma das minhas, por duas deles, alegando que uma do Mandrake, valia duas do Zorro e que um almanaque do Capitão Marvel, valia três revistas do Fantasma Voador.

E assim o negócio foi prosperando.

Mesmo vendendo e não comprando mercadoria, o estoque crescia que era uma beleza.

Dei sociedade ao meu irmão no negócio das revistas e continuei sócio no carrinho de mão que ficou por conta do terceiro sócio trabalhando sozinho, mas dividindo a grana.

O mano cuidava da banca, enquanto eu ficava vadiando pela feira e observando os repentista e os camelôs.

Devo esclarecer que naquela época, o camelô não era apenas um vendedor de bugigangas em uma banca montada na calçada.

Andavam sempre muito bem trajados e tinham um vocabulário bastante rico e pitoresco.

Vendiam por uma insignificância as legítimas canetas Parker 51 com pena de ouro, tampa folheada e tudo o mais, também, o famoso aparelho de Raio X portátil, que dava até pra ver mulher nua. o cortador de vidro, o mágico tira-manchas... sem esquecer da famosa e afrodisíaca pomada japonesa entre outras maravilhas.

Com os cantadores aprendi a métrica das cantorias, o martelo agalopado, o galope a beira mar, o coco, a literatura de cordel com suas histórias divertidas ou dramáticas.

Li o Pavão Misterioso, João Grilo, A Peleja do Diabo e Riachão. Antônio Cobra Choca. A moça que virou porca...e tantas que nem lembro mais....

Posso afirmar que as coisas mais importantes que eu aprendi na vida, o gosto pela poesia, música, relações humanas, um pouco de psicologia prática, alguns truques de mágica e uma certa malandragem, aprendi na feira.

De tanto perambular entre as barracas, fui ficando conhecido pelos feirantes.

Um dia um camelô me perguntou se eu topava fazer um "H"

Pra que não conhece, fazer um H, naquele caso seria mostrar-se interessado em comprar ou fingir que conhecia o produto , em troca de uma pequena gratificação.

Naquele dia, a grande novidade era um truque de magia feito com quatro cartas de baralho.

O sujeito fazia o truque para uma plateia embasbacada, mas não falava em venda.

Só quando tinha bastante gente em volta, que ele falava quanto custava, mesmo assim, ninguém se animava.

Era aí que eu entrava, obedecendo a um sinal já combinado

Fazia uma cara de interessado, comprava e saia todo sorridente. Bastava isso, para que os outros se animassem e comprassem também. Depois eu voltava, devolvia o produto que não valia nada, pegava o meu dinheiro de volta e mais uma gratificação.

Eu já era bom naquilo.

Na feira conheci o Seu Monteiro, um senhor aposentado, com uma banquinha de relojoeiro, consertava, comprava e vendia qualquer tipo de relógio.

Acho que era apenas para se distrair e conversar fiado.

Um dia me contou uma passagem da sua vida, que eu jamais esqueci. Quando seu Monteiro se casou com Dona Sônia, a vida não era lá muito confortável, mas, o seu emprego de vendedor numa sapataria não era dos piores e dava pra levar a vida com dignidade.

Tinha umas economias guardadas, não era muito, mas deu pra pagar a entrada de uma pequena casinha no subúrbio.

Dona Sônia cuidava da casa e do jardim, e com um herdeiro à caminho, a vida era um céu.

Mas como se diz, não há bem que sempre dure...

O problema era que bem na divisa do muro havia uma árvore, mas não era uma árvore qualquer.

Um magnífico salgueiro, fora plantado e cuidado pelo morador do lado. um sujeito de maus bofes, investigador de polícia, andava armado e gostava de uma briga, arrotava valentia e autoridade.

Se não servia como amigo, muito menos como inimigo.

A raiz do diabo da árvore, já estava levantando um pedaço da calçada, o jeito seria uma política de boa vizinhança.

E vai daí, que o tempo foi passando, mas, as folhas do belo salgueiro foram amarelando, amarelando...

Seu Monteiro ficou até penalizado com a tristeza do vizinho, a ponto de se oferecer para buscar um jeito de resolver o problema que estava tirando a beleza do salgueiro e a alegria do vizinho.

O investigador Magalhães, se comoveu agradecido com a solidariedade do prestimoso Monteiro.

Aplicou o adubo oferecido por ele, mas, não foi o bastante.

O salgueiro foi secando, secando, até morrer de vez.

A árvore se foi, mas, o investigador Magalhães, ficou grato para o resto da vida.

- Mas, afinal de contas, perguntei, o que aconteceu com o tal salgueiro

-Simples meu jovem amigo.

Como eu não sou de briga, esperava o investigador sair, que era sempre muito cedo.

Logo depois, eu despejava um chaleira de água fervendo na raiz da árvore.

Bem...Como eu estava dizendo: Também foi na feira que eu aprendi o significado da palavra di-plo.ma-cia.