Crianças de Rua

Nas ruas, a criança anda de olhar cabisbaixo. Estende as mãos em um gesto de súplica, pedindo esmola. Rejeitado pelo olhar feroz dos pedestres apressados, que mentem ao afirmarem não ter o que lhe ofertar. Os filhos abastados passam, exibindo suas roupas limpas, abocanhando salgados imensos e gordurosos. Não aqueles restos de frituras passados que são recolhidos nos lixos das lanchonetes e finais de feira. Mulheres caminham bem maquiadas, dando beijos em bebês. Não sabe se um dia teve mãe, acredita que sim, pois dizem que só se pode nascer do ventre de uma. Talvez a sua tenha morrido precocemente ou abandonando-o em algum saco de lixo, esperando que morresse sem identificação, o que lhe pouparia qualquer improvável possibilidade de remorso.

O chão das calçadas é sua cama, com travesseiro de batente de loja. Algumas vezes a proteção aérea de um viaduto, noutras, apenas um pedaço de papelão jogado sobre si. Tantas vezes apanhara de outros com a mesma sina, que aprendera a bater. Mente por necessidade de sobrevivência. Mergulha no rio de águas sujas, saltando da ponte, confrontando a correnteza que traz galhos de árvores e outros lixos. Enrola um cigarro de maconha e contempla o céu poluído. Casas abandonadas são esconderijos passageiros, com mato alto que o camufla, quando perseguido pela polícia. As meninas de sua idade, também castigadas, deitam tanto com ele, quanto com homens mais velhos, que pagam pela miserabilidade das crianças de rua. Ainda existe o olhar piedoso, dos que dão uma esmola gorda, algo que faça suas consciências menos pesadas. No fundo, todos desejam que sumam, para não contemplarem o espetáculo da miséria que afronta as faces dos “cidadãos de bem”.

Nos semáforos, os vidros suspensos, a cabeção com gesto de negação. Existe o que perdão a mão, alguns se apiedam, não apenas pela deficiência, mas por ser loiro. O povo só está acostumado a ver negros na miséria, o coração só se aflige, quando um loiro de olhos claros está na amargura da vida. Nas adoções, procuram esses estereótipos europeus. Nem os pretos tem caridade com os pretos, falta consciência de classe, talvez seja consciência de raça, embora só exista a humana. Quem sabe consciência de cor? Cachimbos de crack mudam de mãos. Solventes são aspirados em garrafas plásticas, eis a reciclagem. Os furtos ocorrem, assim como as disputas em território para vigiar carros, aguardando a gorjeta pelo serviço de flanelinha. As vitrines expõem a programação na televisão que é oferecida ao consumidor. Cachaças são aperitivos para uma noite fria, seguida de cigarros com filtro amarelo e longas tragadas.

O ventro frio castiga o corpo magro que tenta se proteger. Marquises são exploradas, disputadas. Talvez algum grupo passe doando agasalho e oferecendo sopa. Deve-se lutar para não morrer de frio, já que as madrugadas não perdoam os de saúde frágil. Cães acompanham como mascotes fiéis, disputando entre eles o resto do resto que foi consumido. Não há tempo para enfermidades, um espirro é esquecido, uma tosse ignorada. A dor da barriga de fome, supera qualquer outra mazela. A cidade é um grande parque, onde cada beco é uma aventura. Recebe gorjetas pela prática de pequenos delitos, até mesmo prostitutas e travestis o recompensam por alguma carteira de cliente surrupiada nos locais de programa, que fervilham pela madrugada metropolitana. Os mais belos são iniciados nas artes do amor, rendendo dinheiro a cafetões vigaristas.

Cada vez o grupo se avoluma, apesar de dizerem que a pobreza diminui. Estudantes fazem perguntas para pesquisas, outras pessoas de instituições aparecem com indignação de quem dará jeito, mas passa o tempo e a realidade é a mesma. Mais filhos da miséria são lançados no mundo para que sobrevivam feito algum rebento de fera, uma espécie de novo espartano, que sobrevive diante das dificuldades, sem nenhuma glorificação após resistir aos maus tratos do mundo civilizado. Engravidam-se, trazendo ao mundo, novos miseráveis, muitos não vingam, já mortos dentro dos ventres precoces. Raramente um escapa do infortúnio e conta sua história, consegue um destaque, afasta-se da dura pena, servindo de exemplo a uma sociedade capitalista que utiliza a exceção como regra, para justificar o estado dos outros, como falta de gana para modificar a própria situação. Nem todos tem talento para o futebol, mas alguns serão bons em manejar uma arma de fogo, retribuindo sua dor aos lares felizes que fizeram questão de os ignorar.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 15/08/2012
Código do texto: T3831527
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