O Estrume
Este sonho de vida. A dois, mais poderia ser a mais. Não se sabe mais em que. Já que a sorte parece brincar, manipulando essa realidade de exageros. Pelo embalo dos sentimentos, transcende distâncias, fazendo com que o mundo de lá, venha parar aqui. Não se diz mais, um. Pois acredita que a soma nunca existiu, parece sempre ter sido mantida, pelo zero, que é absoluto e agrega. Uma sequência de momentos felizes, sabendo que essa felicidade é o princípio de ilusão velado. Vem o sorriso, que aproxima, porque interpreta. Nem a monotonia do nunca ter feito, consegue se fazer de obstáculo, tudo parece caminhar para um destino. Mas o destino é esse acaso que usa da sorte como bem entende. A Fortuna é traiçoeira, flertando sem nunca ter morada certa.
Parece ontem que era criança. Agora toma decisões, interpreta sonhos. A chegada de outros parece significar o mais novamente. Que mais é esse que procura se insinuar? Agora é a porta que se abre, um portal de dimensões múltiplas, abrindo um caminho de pilastras humanas, não existe ali choro de tristeza. Os olhos falam mais que as palavras, são traiçoeiros, revelando o que a língua tenta conter. Serão coroados, como rei e rainha, embora apenas um tenha coração nobre. Uma troca de símbolos, que inunda, a ponto de transbordar, causando repercussões, por cada detalhe, que não foi elaborado fora do sentimento mais belo.
O tempo é curto para o desenlace. O mais aparece de novo, só que um mais cruel e mesquinho. Revelando algo sórdido nos bastidores, criando vítimas e algozes. A dor causa um choro que não é mais de alegria. Um corte drástico, divide imagens, fere corações sem a necessidade de tocá-los, já que a profundidade da ferida, está além do tato, indo na essência dos sentidos. Quanto mais reviramos o lixo, mais podridão aflora, deixando o chorume escorrer, contaminando todo aquele solo, antes tão fértil. No ápice do drama, um estrume. Uma insignificância, que nada serve em um terreno já envenenado, mas que não passa despercebida. Já que exala um aroma nojento, em harmonia com a pestilência daquilo que fere.
No poço do desespero, surgem os alienados. Que vagam pelas madrugadas, inquietos pelo morcego da consciência que assombra. A humilhação dos simulados é vista como farsa, para o público cansado das enfadonhas apresentações. Um arrancar de cabelos com lágrimas insossas. Diversos discursos, beirando uma esquizofrenia armada. O surto é um susto diante da falta de alicerce. Medo que cega, causando estremecimento nos espectadores estarrecidos, já que buscam a compreensão da tragédia. Olham para um vazio, e quanto mais observam, mais vazios se sentem, já que esse nada só existe enquanto se debruçam sobre ele. O precipício possui fundo, mas por olharmos das bordas, com receio de espreitar o espaço escuro, criamos essa imagem de uma queda constante.
O estrume é esse esterco com folhas podres. A podridão servirá para fertilizar esse terreno tão castigado. Será esterco para novas colheitas, desde que se decomponha. Este processo é lento, mas o ciclo de transformação é inevitável. Façamos florescer nova folhagem, dando o fim adequado ao já apodrecido, sepultando na terra acolhedora, os restos de sonhos perdidos. O agricultor será paciente, sabendo dos períodos de espera, consciente das graças dos novos tempos. Por mais que se perca uma safra, no futuro, obterá a recompensa da fartura, gozando dos benefícios do seu árduo trabalho e amadurecido acerca dos tempos duros. Agradecerá aquela má colheita, por ter feito com que se elevasse, contribuindo através de sua extinção, para o desenvolvimento do regozijante progresso.