No ônibus do povoado ( Reedição)

No ano de 2004, fui contratada para trabalhar na Secretaria da Escola Estadual Afonso Corrêa, situada em São Brás de Minas, um distrito de Lagamar, minha terra natal.

As idas para o trabalho aconteciam geralmente de ônibus que fazia a corrida intermunicipal na linha Patos de Minas a Lagoa Grande. Desabituada a viajar de ônibus, eu fazia dessas pequenas viagens um grande aprendizado. Era apenas trinta minutos, um trajeto curto de vinte e dois quilômetros de estrada de terra. Eu ficava de espectadora de um teatro vivo, real e inusitado. Eram pessoas simples que faziam uso desse transporte. Normalmente, lavradores e aposentados que iam até a sede do município para resolver assuntos de prefeitura, banco, receber aposentadoria e fazer compras. Mal se entrava no ônibus, a prosa começava, pois os usuários normalmente eram conhecidos.

Quando não acontecia de nenhum passageiro ocupar o lugar ao meu lado, eu ficava acompanhando os casos que eles contavam, e a situações engraçadas que aconteciam. O motorista, Braz Mateus, também conhecido por “Braizinho”, era de uma paciência e de uma tolerância admiráveis.

Em certa viagem, aconteceu um fato hilário. Chegando próximo ao ponto da fazenda Mata do Garrote, no gume da serra, alguém puxou a corda da campainha, anunciando que queria descer. Braizinho diminuiu a velocidade e parou o ônibus no acostamento, na entrada da fazenda, o que fez levantar poeira. Lá de trás, saiu uma senhora avantajada, aparentando ter uns setenta anos. Vinha pesada, lenta, carregando uma quiçaça de compras. Braizinho, pacientemente, esperava a delonga da nona em atravessar o estreito corredor do veículo.

Desajeitada ela vinha batendo as sacolas nas cabeças dos passageiros que ocupavam as cadeiras do corredor. Enfim, chegou aos primeiros assentos diante da porta. Braizinho engatou uma marcha e acelerou aguardando o momento de arrancar. Qual não foi nossa surpresa quando tal senhora, ao descer os degraus, prestes para desembarcar, deparou, logo no primeiro banco, com uma velha conhecida sua que, por sinal, há muito tempo não se viam.

— Oh! Mar num é pussive! É memo a cumade Ruzara?

— Cumade Antônha, mais há quanto tempo!

As sacolas foram deixadas no assoalho do ônibus e o abraço parecia não ter fim. Braizinho, sem querer ser um desmancha prazer, puxou o freio novamente, cruzou as pernas, apoiou o cotovelo no joelho e descansou o queixo na mão. Ficou observando a cena na maior calma, nem parecia ter hora marcada para chegar a seu destino.

O assunto das duas comadres se fez logo uma boa prosa, nem se davam conta de que estavam dentro de um ônibus. Os passageiros se dividiam. Algumas pessoas reclamavam e se levantavam para ver o que estava acontecendo. Outras se entreolhavam e sorriam da maior “sem cerimônia” das duas comadres.

Por fim a conversa chegou ao ponto das despedidas e recomendações. Depois de darem todas as notícias e queixarem seus reumatismos, abraçaram-se novamente. Acham que nesse momento seguimos viagem? Qual nada. Antes de descer, a referida senhora virou-se para o motorista, sentindo-se no dever de agradecer:

— Braizin, bamo apiá e tomá um café.

— Obrigado Dona Antônha, mas eu preciso acabar a viagem. Fica para outra vez.

— Tá bão meu fio, mais quarqué hora ocê desce até lá em casa, viu? Vai cum Deus.

— Amém Dona Antônha, a senhora fica com Deus também.

Dona Antônha desceu. Braizinho fechou a porta e acelerou. O resto da viagem o assunto, sem dúvida, girou em torno do acontecido.

Maria Helena Camilo