Viajante
Por estradas sem futuro, compostas de sonhos quebrados, sacolejando por depressões que escoam em chuva que molha apenas o exterior, como se fosse uma gravura de efeito. São cabeças vistas sob uma perspectiva de crânios soltos, com esperança de corpos escondidos. Sem música, apenas um ciclópico luminar que direciona o foco da leitura, onde páginas discorrem sobre um holocausto. Uma carta com letra mal traçada e poucas palavras, diz mais que um best seller de mil laudas. Lágrimas brotam para rivalizar com a chuva, enquanto as cabeças soltas continuam lá, gangorrando conforme o balanço.
Na despedida o reprimir de emoções, seguido da correria de embarque. Na chegada a correria de desembarque, seguido de emoções não mais reprimidas. São arquivos de vida guardados em cubos, que rolam com peso medonho, ocupando espaços que deixam os passageiros contidos. Entre palavras e silêncios, consegue-se amontoar uma pirâmide disforme. Gestos que preenchem o coração que bate sem a necessidade de constatarmos as batidas, indiferente a nossa compreensão. Sorrisos não mais fabricados, mas sim brotados, feito fruto que germina após um desenvolvimento natural.
Um bichano se aproxima, observa, serpenteando entre pernas. A fé adorna o ambiente, fazendo-se notar em imagens e dizeres que se propagam em um eco barroco. O amor abre suas pétalas e toca com suavidade os amantes, com espinhos retráteis por medida posterior de segurança. Olhos que se cruzam e beijos que se entrelaçam, corpos que se fazem copos e transbordam. No canto dos lábios, por um sorriso tímido, que se vê o apaixonado derramando aos pouquinhos, não conseguindo conter o seu estado em si. Todo o ambiente é afetado, cativando tudo que se envolve com o ato amoroso. Por mais que se conquistem muros, cercas, portas, chaves e cadeados, o coração continuará livre, pois o sentir transcende a brutalidade que a materialidade impõe.
Exausto de esperar, ignora o cansaço, que pode ser subjugado. O frio do clima dissipa, feito neblina perfurada por raio solar. Os animais ao redor dão mais vida ao paraíso, enquanto o mundo some e só existe um Adão e uma Eva, fazendo tudo nascer a partir de um ato, o mundo se faz novamente, sem a necessidade de contagem, para datar onde e como, já que o tempo se tornou coadjuvante. Marcamos a distância temporal de um ponto ao outro em um compromisso, mas não cronometramos um beijo apaixonado. Um discurso eloquentemente mudo, que atravessa a dita realidade, fazendo-a listrada, ao mesmo tempo viva, uma zebra selvagem que corre sem rédeas.