O Encontro
Um jovem corre feliz pela calçada. Passando pelas pessoas como se fosse paisagens que dissolvem conforme a visão se movimenta. O sorriso nos lábios revela a infantilidade no ato de aumentar a velocidade das passadas, se afastando dos que o acompanham, causando certa preocupação aos tutores. Os cabelos voam com a força do vento causado pela ligeireza com que se esgueira entre o populacho. A roupa escolhida para a ocasião pela mãe, revela as maneiras sóbrias com que os pais desejam que a sociedade veja seus rebentos. Correr é uma forma de desafiar esse andar ordenado do dia-a-dia, onde mesmo aqueles que dizem viver em correria, não passam de andantes mecânicos, guiados por uma linha invisível, que lhes dita o caminho.
Um senhor apressado, com essa corrida cronometrada cotidianamente, segue em ritmo alucinante. A saída no horário de almoço para poder quitar boletos quase vencidos. Nem almoçara, enfrentando uma fila de agência bancária, que tem como função ser vagarosa, para o desespero dos que nela aguardam a vez. Trajando seu uniforme com o odor exaltado de quem já enfrentou meio período de labuta, segue impaciente aquela serpente de gente que se forma a partir do caixa. Avistando o coletivo que permitirá chegar ao emprego para a segunda jornada, faz como um velocista, esticando-se ao máximo e flexionando os membros para sinalizar ao motorista.
Duas vidas que passam despercebidas, como tantas outras. Mas naquele dia, ocorreu o encontro. O menino que corria de felicidade e o homem em corrida angustiada. Ambos distraídos. A colisão foi inevitável, o garoto sendo lançado com violência ao solo, pelo impacto do corpanzil do operário. Os óculos voaram da face do proletário, as lentes trincaram com a pancada no solo do calçamento. O sujeito ainda tentara amparar o garoto, correndo em seguida para verificar possíveis ferimentos. Nada de muito grave. Apenas pequenas escoriações. Os próprios acompanhantes não se indignaram com o senhor de olhos espantados e não mais preocupado em atrasar-se.
As pessoas aglomeravam em volta, a curiosidade pelo trágico, apesar de ter sido pouco dramático. Ainda assim desviaram a atenção da mecânica diária, deparando-se com a cena do encontro entre dois homens. A disparidade de idades. Muitos os teriam imaginado como pai e filho em outra ocasião. Ali, apenas dois acidentados, o mais jovem ainda tonto com a situação e choramingando os pequenos arranhões, enquanto o de mais idade se afligia por ter causado tamanho infortúnio com sua correria. Na hora de acolher o pequeno ferido, ignorou os óculos danificados, assim como o horário a cumprir, a solidariedade foi seu único dever.