A APOSENTADORIA DO HONORATO

Honorato gostava muito de se comparar ao poeta Drummond, ambos mineiros, magros, tímidos e bancários, com uma pequena diferença; aquele era ligado às letras e ele aos números.
Aos vinte e cinco anos, formado em contabilidade, deixou sua terra natal – Ubá - e foi morar no Rio de Janeiro.
Depois que arranjou um emprego no Banco do Estado, voltou à sua terra natal somente pra pedir a mão de Francisca, sua primeira e única namorada. Ambos se casaram virgens e ele tinha orgulho em dizer que Fran foi a única mulher de sua vida.
Acreditem ou não, eles levaram na lua de mel o livro do Dr. Fritz Kahn chamado “Nossa vida sexual” para servir como “manual de instruções” de tão leigos que eram no assunto.
Durante mais de 40 anos Honorato trabalhou em auditoria de contas, um trabalho que todos no banco fugiam. Mas entendia tanto do assunto, que nunca foi promovido, pois não achariam outro para substituí-lo.
No último ano, antes de se aposentar foi transferido para uma agência em Copacabana. De sua sala na sobreloja com vidro fumê e ar condicionado podia ver as pessoas passando apressadas e suadas na N.S. de Copacabana.
Na Praça Cerzedelo Correia via ainda um grupo de quatro velhinhos que diariamente se reuniam para bater papo e jogar dama. Parecia-lhe um mundo tão distante.
Até que chegou finalmente o dia da aposentadoria. Organizado como qualquer bom contador ele fez todos os exames médicos de rotina por conta do banco e constatou que estava com a saúde perfeita para os seus sessenta e cinco anos.
Fran tinha toda uma rotina organizada; arrumar a casa, lavar e passar a roupa, ir ao supermercado, fazer o almoço, assistir o “Vale a pena ver de novo”, tomar chá com amigas na Colombo uma vez por semana, visitar os netos e preparar o lanche para o marido. Ficava o dia inteiro ocupada em seu “habitat natural”.
Desde que se casaram, adotaram uma espécie de hábito; toda vez que estava disposta a cumprir suas obrigações matrimoniais, Fran vestia um lingerie vermelho. Era a senha para que ele “a usasse”.
Quando entrou na menopausa, Fran comunicou ao Honorato que a partir daquela data ela estava encerrando as atividades do “parquinho de diversões” e com um certo alívio jogou fora aquelas peças íntimas.
Tudo bem - pensou Honorato - ele já estava mesmo achando sem graça aquela relação sexual obrigatória todos os meses. Sempre achava que ela é que queria quando colocava aquela horrível camisola vermelha e então partia para o sacrifício.
Honorato desde o primeiro dia de aposentado se sentiu como um peixe fora d’água, olhava as moças passando praticando jogging na praia e ficava imaginando como seria uma “transa de verdade” com alguma delas, igual àquelas cenas que assistia vez por outra nos cinemas pornô da Cinelândia.
Aquelas peles bronzeadas, aquelas pernas roliças, aqueles peitinhos pontiagudos, aqueles... aqueles... ah!... deixa pra lá... pensava...
Mas conversar mesmo, só com a estátua do Drummond, lá no Posto 6.
De longe, pareciam irmãos gêmeos batendo papo, vivia sempre repetindo para o “amigo”: “Ubá é apenas uma fotografia na parede, mas como dói” ou então “No meio do caminho tinha uma pedra”... Drummond permanecia calado feito uma estátua... claro; era uma estátua...
Um dia resolveu dar uma passada na Praça Cerzedelo Correia. Chegou cumprimentou os quatro velhinhos que simpaticamente o convidaram para participar da conversa. O assunto do dia era se a Virgínia Lane havia tido, ou não, um caso com Getúlio Vargas. Honorato achou o papo meio fora de seus interesses, mas mesmo assim ficou satisfeito por achar alguém com quem conversar. Passava quase todos os dias por lá, até que belo dia estavam apenas três velhinhos; eles desconversaram quando ele perguntou pelo quarto amigo. Honorato então foi integrado àquela confraria e convidado a sentar-se no lugar vago.
Daquele dia em diante, Honorato percebeu que aquele seria também seu fim; bater papo furado e jogar damas. A partir daí, começou a ter uma ideia fixa: “Do que será que vou morrer?”.
Todo o dia chegava à pracinha sobressaltado achando que estaria faltando mais um da turma.
Nem contou para Fran sua ideia fixa com a morte, pra que? O que ela poderia fazer?
Na última terça feira, estavam os quatro sentados e discutindo casos picantes sobre a Luz del Fuego, quando a agência bancária em que trabalhou foi assaltada. Correria geral; polícia chegando; tiro pra todo lado.
Uma bala perdida acertou mortalmente Honorato e resolveu seu enigma.

Wilson Pereira
Enviado por Wilson Pereira em 16/01/2012
Código do texto: T3443434