NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 93
NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 93
Rangel Alves da Costa*
O Deputado Serapião Procópio já estava ultimando os preparativos para uma comemoração festiva por ter conseguido se livrar daquele perigo que perambulava pelas ruas quando recebeu um telefonema do editor do jornal, aquele mesmo que havia negociado com o desembargador corregedor acerca do dossiê.
Pelos favores recebidos do maioral da justiça, havia se esforçado demais para que o jornalista responsável pela denúncia fosse protelando o máximo possível a publicação daquela verdadeira bomba. Quis comprar as reportagens do colega, roubar o seu material, chantagear, afirmar que enquanto ele tivesse poder de mando naquele jornal aquelas reportagens não seriam publicadas. Contudo, sabia que não havia nada a fazer diante da preciosidade que o outro tinha em mãos e que se não transformasse aquilo num estrondoso sucesso outro jornal chamaria para si essa glória jornalística.
Quando o repórter disse que havia encerrado a redação das reportagens e colocou o chefe na parede, indagando se publicaria ali ou em outro veículo, este se viu sem saída. Ainda quis argumentar que esperasse um pouco, contudo o outro foi irredutível. Teria que sair naquele final de semana, afirmou com veemência. Então o calhorda do jornalista-chefe imediatamente procurou encontrar meios para chantagear um daqueles envolvidos e garantir uma boa quantia na sua conta bancária.
Logicamente que mentiria, diria que o dossiê já estava pronto para ser publicado, que estava em cima de seu birô, e que só repensaria em colocar aquela devassa ao conhecimento da sociedade se até às seis horas da sexta-feira cem mil reais lhe fosse entregue, numa caixa simples, tudo em notas de cem, nos escondidos do subterrâneo de uma garagem. E foi com o objetivo de ludibriar corrupto que telefonou ao deputado Serapião.
Este, que já estava entregando a um assessor uma lista de convidados para a festança do sábado seguinte, se mijou nas calças e quase desmaia quando ouviu do outro lado da ligação:
“É isso mesmo deputado, tudo como relatei. Logicamente que não vou dizer quem está por trás desse trabalho jornalístico, quem foi o principal informante ou os outros nomes das autoridades e pessoas da alta sociedade envolvidas, mas posso lhe assegurar que o seu nome figura na proa. E digo mais, será citado como o grande capo, o chefão da máfia, o líder dos corruptores, o propineiro mor, o bandido dos bandidos. Talvez o jornal já saia com um brinde especial para os leitores enquanto o dossiê estiver sendo publicado: um lenço para que se protejam de tanta sujeira e imundície. E o senhor, ilustre deputado, seria o responsável maior por essa fedentina que assola as instituições públicas, sem desmerecer a porcaria produzida pelos outros envolvidos, que são ratos do mesmo quilate e do mesmo esgoto. Certamente, nobre parlamentar, que tal revelação bombástica não seria nada bom para o seu nome, principalmente quando se trata de um deputado...”.
Numa vermelhidão de explodir, quase engasgado diante do que ouvia, conseguiu apenas esboçar: “Mas quem foi esse calhorda de uma figa que abriu o bico, inventando essas deslavadas mentiras pra me prejudicar, pra acabar com minha vida, pra me matar de vez?”.
E o diretor de redação prosseguiu calmamente, ao modo dos vis aproveitadores:
“Calma, calma, não precisa ficar tão nervoso nobre parlamentar. Se for mentira tudo que vejo aqui em minha frente, caberá ao senhor mais tarde convencer a sociedade e os seus pares. Não tenho nada a ver com isso, só com a denúncia que será feita no final da semana. A não ser que o senhor ache melhor que eu engavete um pouco essa bomba, ou até quem sabe torne-a cinzas, esquecendo tudo e o senhor continuando a ser santo, como sempre quer demonstrar. Está em suas mãos, pois, como já disse, posso deixar no fundo da minha gaveta ou mesmo rasgar tudo. Mas para que ocorra essa última hipótese, o nobre deputado terá que me pagar cem mil, em notas de cem, do seguinte modo...”.
E deu todas as explicações de como deveria ser feito o pagamento. Sem saída, o deputado disse que aceitava pagar a metade do valor pretendido, mas para fechar a negociata de vez exigiu que o corrupto do jornalista afirmasse quem havia repassado ao repórter as tais informações que agora seriam publicadas. Ao ouvir isso, com uma esperteza desmedida, o rapaz mais uma vez jogou para ver no que dava e disse apenas que havia sido uma pessoa de sua confiança, de sua extrema confiança.
Sem saber, o jornalista calhorda estava selando o destino do advogado Auto Valente. E isto porque, ao ouvir o outro dizendo que a revelações tinham partido de uma pessoa muito próxima, outro ser humano não veio à mente diabólica, enfurecida, assassina, do deputado, senão o nome de Auto Valente.
Depois de acertar os detalhes do pagamento com o jornalista, o deputado começou a esfumaçar de tal forma que era preciso um assessor lhe abanando de cima a baixo. Tomou duas doses de uísque em seguida, acendia charutos após charutos, pediu para que o deixasse sozinho no seu gabinete e depois, já com certeza que a porta estava trancada, telefonou para alguém e disse que precisava de um servicinho extra para o sábado, a ser realizado durante a festa. E depois explicou o que seria:
“Durante a festança de sábado, lá pelas tantas e quando os convidados já estiverem na alegria provocada pelos vinhos, uísques e cervejas, quero que coloque umas doses de estricnina numa dose de uísque especialmente preparada para o advogado Auto Valente. E quero um veneno impiedoso, coisa do tipo que primeiro engasga, depois sufoca, deixa o verme sem ar, começa a arroxear e em seguida cai estrebuchado no chão. E se não fizer bem feito, se ele não morrer com essa dose, pode encomendar seu caixão”.
Mas o deputado, contudo, não sabia que o advogado já havia tomado conhecimento da publicação do dossiê naquele final de semana. O safado do jornalista também havia telefonado pra ele e também exigido dinheiro para as reportagens não serem publicadas. E do mesmo modo que o deputado, também prometeu pagar o valor exigido. Entretanto sabia que não adiantava pagar um real ou trinta mil, vez que sua vida não valia mais nada.
E não valia nada porque o próprio jornalista, durante a conversa, sem querer insinuou que o deputado estava imaginando que as informações teriam sido repassadas por ele. Nessas condições, tinha certeza absoluta que sua vida não valia mais nada, que a qualquer momento seria alvejado e morto por um dos capangas do homem.
Então, no desespero maior, tomou uma decisão extrema: Ficaria escondido num lugar absolutamente difícil de ser encontrado e na primeira oportunidade que tivesse mataria o deputado.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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