NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 85

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 85

Rangel Alves da Costa*

Verdade é que quando o jornalista submeteu as reportagens ainda em construção ao editor do jornal, vez que um procedimento de praxe diante de quem mais tarde iria dar o aval sobre a publicação ou não, jamais esperava que tal fato fosse gerar consequencias inesperadas.

Tomando conhecimento do conteúdo, arregalando os olhos, espantado com dados tão preciosos, o editor fraquejou na sua responsabilidade e conduta profissional. Logo pensou em tirar proveito próprio de um trabalho construído pelo colega, então subordinado de redação. Assim, talvez também com um misto de inveja e mau caratismo, tão próprio em qualquer profissão, logo quis tirar sórdido proveito daquilo lhe havia sido chamado a opinar.

Contudo, mesmo já soando como reprovável conduta, o que o editor faria dali em diante estaria circunscrita naquele contexto afirmando que alguém pode conseguir o inesperado procurando obter o desejado. Nesse agir negativamente e fazer surgir um resultado positivo, eis o acaso agindo favoravelmente em nome do presidiário Jozué.

Não se sabe bem a intenção do calhorda editor, se pensava em receber propina ou tirar outro tipo de proveito. A verdade é que procurou pessoalmente o corregedor-geral de justiça e afirmou que um profissional do jornal em que trabalhava havia investigado e produzido um farto material, que logo seria publicado, contendo graves denúncias sobre o envolvimento de magistrados na condenação de pessoas inocentes. Quer dizer, na venda de sentenças. E citou o que sabia sobre o caso, os nomes dos magistrados envolvidos e também dos condenados.

O desembargador ficou a tempo de enlouquecer com mais essa denúncia para enlamear ainda mais a credibilidade do judiciário, afetando mortalmente aquele órgão superior em nome dos seus magistrados. Bateu à mesa, xingou, esperneou, esbaforiu, mostrou uma reação tamanha que parecia ser a primeira vez que o judiciário estadual estava envolvido em escândalo.

Também não se sabe os termos do acordo ou acerto, mas a verdade é que o editor salafrário saiu do gabinete prometendo que tentaria adiar o máximo possível a publicação do tal dossiê com as pormenorizadas denúncias, e até poderia ver se arranjava um jeito de dissuadir o colega a engavetar e esquecer aquela verdadeira bomba que tinha em mãos. O problema era saber como fazer o dedicado rapaz mudar de ideia, vez que nem todo mundo tem o dom de fazer acordos por debaixo do pano para esconder sujeiras debaixo do tapete.

Assim que o editor deixou o gabinete do desembargador, este se ateve aos nomes dos magistrados envolvidos e logo concluiu que perante um, o enlouquecido quase desembargador, já não podia fazer mais nada, telefonar para falar sobre as denúncias, pedir que viesse tomar um cafezinho no gabinete e discutirem amigavelmente a questão. Quanto a este não tinha realmente mais como tomar qualquer providência, pois o homem só não atirava pedra porque preferia comer papel.

Contudo, tinha em mãos o nome do outro magistrado envolvido, irmão do principal responsável pelo pagamento ao juiz sentenciante pela condenação de Paulo. A culpa deste se relacionava principalmente no uso de sua amizade e influência perante o colega magistrado para costurar a dramática sentença, de modo que não houvesse brechas para não se dizer do acerto do magistrado ao condenar a pena máxima. E também havia repassado, do próprio bolso, valores tanto para o promotor como para o juiz.

O problema logo constatado pelo desembargador corregedor era que mantinha um relacionamento com o magistrado forte demais para relatar o fato ao presidente do tribunal e, com isto, abrir a possibilidade de um processo administrativo. Não podia nem chamar o homem ali para dar explicações, vez que corria o risco de ser colocado também na parede. Ora, aquele juiz de primeiro grau sabia de podres seus que o fazia até se arrepiar só de pensar. Quando atuava no mesmo fórum, por diversas vezes se trancaram nos gabinetes para discutir propinas, acertar maracutaias, dividir dinheiro sujo.

O muito que poderia fazer, até como forma de alertar o colega, era convidá-lo a ir até o seu gabinete para fumarem um charuto, bebericar um importado, conversar amenidades, ainda que sobre denúncia tão importante. Mas conhecendo o temperamento do colega, sabia que não podia ir além disso, exigir nada, pedir que relatasse a verdade sobre os fatos. Se o outro, ao invés de dar explicações, viesse com ameaças, estaria praticamente destruído, seu prestígio ali no tribunal correria esgoto abaixo.

E diante de tantos pensamentos surgidos, concluiu que o melhor a ser feito era mesmo convidar o magistrado para uma conversa amigueira, e ali afirmar que tivesse cuidado com uma possível denúncia que, mentirosamente, com o único objetivo de tentar obscurecer a credibilidade do judiciário, poderia estampar como manchete na imprensa qualquer dia desses. Diante disso talvez o próprio colega trouxesse ideias para esclarecer os fatos e solucionar aquele grave problema.

Mas chegou também a uma conclusão importantíssima, cujos efeitos seriam menos traumáticos para o judiciário se acaso as denúncias saíssem do papel e ganhassem as manchetes. E assim, sem mais demoras o desembargador corregedor chamou um assessor e exigiu que providenciasse, ainda naquele dia, os elementos necessários para colocar o sentenciado, apenado e cumprindo pena definitiva em penitenciária, Jozué Miguel dos Santos, em liberdade. Que se dirigisse diretamente ao juiz da execução, fizesse o que fosse preciso, mas queria ter conhecimento que o rapaz já estaria nas ruas no dia seguinte.

Tomando tal atitude, o astuto desembargador, de certa forma estava procurando reparar um erro tão absurdo e mais tarde a sociedade não se revoltaria tão fortemente contra a corte estadual de justiça, acusando-a de acobertar imundícies dos seus magistrados. Ora, surgiria logo a afirmação de que o rapaz já estava em liberdade e o outro não estaria na mesma condição porque já havia falecido.

Eis o pensamento do corregedor, e por isso mesmo tanta pressa e tanta preocupação em resolver ao menos esse aspecto crucial, uma eficaz precaução contra os efeitos da futura denúncia. Agindo assim, reparando logo esse erro, poderia muito bem afirmar que o problema já havia sido resolvido com relação ao inocente. Quanto aos magistrados bastaria dizer, como sempre fazem, que providências internas já estavam sendo tomadas. E de certa forma, em parte, ela já surgiria esvaziada.

Contudo, será que ser colocado em liberdade nessas condições seria bom, seria benéfico para Jozué?

conclusão...

Poeta e cronista

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