NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 84

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 84

Rangel Alves da Costa*

Teria sido anônimo o telefonema que o advogado Auto Valente havia recebido. Do outro lado da linha alguém informava apenas ser jornalista, fazer parte de um jornal de grande repercussão e que mantinha em suas mãos um dossiê revelador das ações perpetradas por aquele juiz agora em total insanidade, mas com a participação de outros importantes nomes, inclusive o dele como intermediário do chefe do esquema, que era o deputado Serapião Procópio.

Auto Valente tentou a tudo custo obter mais informações, mas sem obter êxito. Queria saber quem era o jornalista, onde trabalhava e como aquele pretenso documento havia chegado a suas mãos. Contudo, como resposta obteve apenas que no tempo certo tudo seria revelado e as consequencias suportadas pelos acusados.

Ora, mas se esse tal jornalista falava nessa relação desde o juiz, passando por ele até chegar ao deputado é porque realmente sabia muito mais coisas, deveria ter informações escritas sobre o desenrolar daquelas malditas ações. Os processos em si, por terem sido tão estrategicamente elaborados para condenar, não conteriam provas incriminadoras suficientes. E se ele tinha conhecimento de mais coisas, então é porque Carmen havia deixado aquele dossiê com alguém antes de morrer. Mas quem? Indagava-se o advogado cheio de preocupações.

Mas a verdade é que Carmen não havia deixado dossiê algum nas mãos de quem quer que fosse. Fato é que a pasta contendo informações escritas do próprio punho, cópias dos processos e uma agenda pormenorizando aquelas nefastas ações e contendo o nome de todos os envolvidos, mostrando claramente como funcionava o esquema, foi encontrada por sua amiga dona da moradia onde passou os últimos tempos, desde que havia saído do apartamento diante das ameaças.

Essa amiga, que na verdade não conhecia nada sobre o caso, mostrou toda a documentação a um amigo seu jornalista. Este, com a acuidade e o faro de bomba próprio do bom profissional, logo enxergou ali a oportunidade de sua vida. Ofereceu uma quantia à moça pela pasta e se assenhoreou daquele cabedal de informações preciosas. Com os dados em mãos, já havia começado a esboçar uma série de reportagens bombásticas que atingiria principalmente os nomes do judiciário e do legislativo.

Mesmo já estando inativo aquele juiz sentenciante, ainda assim ali se delineava o envolvimento do outro juiz e do promotor. Como mafioso representante do legislativo estava o cabeça de todo a organização criminosa, que era o deputado Serapião; enlameando a classe advocatícia era mencionada a participação, como intermediário entre o deputado e o juiz corrupto, o advogado Auto Valente. A sua maldosa e discrepante defesa dos acusados inocentes eram citadas como o motor de toda a trama, pois nos autos é que estava a prova de todo o desvirtuamento da justiça para atender a interesses particulares, escusos e principalmente injustos. E tais interesses representados pelo já falecido empresário irmão do outro juiz e pelo agiota Alfredinho Trinta Por Cento. Este último ainda em plena atividade na prática de ilícitos.

Tais eram as precisas informações obtidas pelo jornalista e guardadas a sete chaves. E havia telefonado ao advogado, visualizando-o como a parte mais frágil entre todos os envolvidos, não para obter propina, tentar vender a peso de ouro os dados fabulosos que tinha em mãos e que se revelados causariam um rebuliço indescritível, mas apenas tentando semear caminho para mais tarde obter uma entrevista e fortalecer ainda mais os elementos que dispunha.

Após esse telefonema do jornalista, o advogado ficou imaginando o que deveria fazer diante dessa inesperada situação. O impacto pela informação obtida havia sido terrível, mas ainda era muito pouco para tentar agir rapidamente e abortar qualquer tentativa de divulgação. Se avisasse ao deputado sobre o fato, certamente o homem lhe daria um prazo de menos de vinte e quatro horas para saber quem havia sido o jornalista e onde trabalhava. Tal responsabilidade não queria em suas mãos, ao menos por enquanto, e até porque sabia que as pressões seriam muitas e qual o desfecho de tudo se descobrisse de onde havia partido o telefonema.

Com essa preocupação toda, ainda assim Auto Valente achou melhor esperar um pouco mais. Quem sabe o tal jornalista não entraria em contato novamente e propusesse algum acordo, o recebimento de alguma quantia ou coisa parecida? Ou quem sabe ocorria outros fatos novos que pudessem abortar a publicação daquelas denúncias? Verdade é que se nada fosse feito mais cedo ou mais tarde um daqueles jornais de grande circulação estamparia em manchetes garrafais os capítulos sobre o seu fim e dos demais.

Tinha certeza que seria um homem morto no mesmo dia que o jornal divulgasse aquele esquema. Também tinha a máxima certeza que seria o fim político, a total degradação da velha raposa chamada Serapião Procópio, bem como que seria o total desprestígio e desgaste público do outro juiz e do promotor, que talvez só não perdessem suas funções por causa do corporativismo; e que somente assim talvez o agiota fosse parar atrás das grades, mas não pelo envolvimento nesse caso em si, mas por outros ilícitos que certamente viriam à tona.

Ora, o advogado sabia que uma acusação não se contenta ou se satisfaz nela mesma, mas traz consigo uma avalanche de lamaçal putrefato. Os outros já haviam sido condenados pelos erros e injustiças cometidas. O responsável pela acusação e morte de Paulo, que era o empresário, já devia estar pagando seus pecados no local adequado; o juiz corrupto já estava sofrendo em vida parte do merecido, e o restante pagaria em outra instância.

Contudo, por um descuido, erro ou desconfiança do jornalista, sem querer este acabou sendo o anjo da guarda de Jozué, o seu salvador, aquele que viria em seu auxílio mesmo sem jamais lhe tivesse visto.

continua...

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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