NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 78
NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 78
Rangel Alves da Costa*
O juiz corrupto da vara criminal sentenciante já havia lavado suas mãos de vez. Providenciou para que os autos referentes aos dois condenados definitivamente fossem enviados imediatamente para a vara de execução penal competente, vez que os processos já haviam transitado em julgado e não houve interposição de qualquer recurso. Tudo conforme o vergonhosamente planejado.
Seguiram os dois processos, mesmo que com relação a Paulo, que já havia sido condenado de morte na instância de origem e confirmado a pena pelas mãos dos outros presidiários, não tivesse mais valia alguma. Lá que o feito fosse arquivado definitivamente e o caso dado por encerrado. Quanto a Jozué que, após os trâmites legais, fosse transferido definitivamente para outra penitenciária.
O juiz queria se ter logo livre desse peso porque sua posse já estava marcada. Ora, o homem bom, o justo, o virtuoso e mais que honrado iria para o tribunal. Ser desembargador era o seu destino. Pessoas já haviam morrido também por sua culpa, por sua nefasta atuação naqueles processos, mas ser elevado às alturas judicantes era o seu destino. Ademais, certas pessoas não carregam na testa, senão no bolso, o valor de sua honradez.
Uns poucos convites reservados já haviam sido distribuídos. Ao lado da nata do judiciário, do executivo e do legislativo, certamente que na posse também estariam alguns amigos do desembargador escolhidos a dedo. A não ser o parlamentar Serapião Procópio, o comparsa promotor atuante na vara e o outro juiz tio da mocinha, não tencionava convidar mais ninguém daquela máfia.
Contudo teve de mudar de ideia assim que recebeu um telefonema de Alfredinho Trinta Por Cento, o deslavado agiota, rei da impunidade. O safado logo avisou ao outro de igual matiz que o seu convite ainda não tinha chegado e pelo que já tinha, através do deputado e do advogado, colocado em suas mãos, não poderia jamais ficar esquecido. Aliás, lembrou bem, ninguém que tinha agido com interesse comum poderia ficar de fora.
E afirmou ainda que não ficaria bem para um juiz, futuro desembargador, ter o seu nome enlameado quase na véspera de sua posse no tribunal. Medroso como era, estando atrelado até o último fio de cabelo no mundo da corrupção e venda de sentenças, o magistrado amarelou na hora e com voz trêmula pediu perdão por que os convites ainda não tinham chegado, porém providenciaria para aquele mesmo dia.
Com os trabalhos feitos e bem feitos, com as consequencias esperadas realmente acontecendo, logicamente que tudo deveria estar às mil maravilhas para o juiz, o promotor, o outro juiz tio da mocinha, o pai desta, Alfredinho Trinta Por Cento, o deputado Serapião e o advogado Auto Valente. Mas não, ledo engano. Por mais que tentassem disfarçar, minimizar as pequenas situações percebidas, mas algo de estranho e preocupante estava acontecendo com eles, amedrontando-os, deixando-os nervosos.
Todos eles, indistintamente, porém mais em uns do em outros, começaram a perceber fenômenos realmente estranhos e misteriosos acontecer a qualquer hora do dia, mas depois do anoitecer com muito mais intensidade. Não conseguiam, por mais que tentassem mudar de pensamento, esquecer dos dois rapazes, os dois condenados inocentemente, Paulo e Jozué. Era como se imaginasse os dois seguindo-os por onde fossem, procurando-os por todos os lugares.
Somente o juiz, o promotor e o advogado conheciam os dois, pois tiveram de avistá-los em audiência. Os outros jamais os tinham visto, porém era como se tivessem a máxima certeza de que os condenados estavam em todo lugar onde fossem, perseguindo-os. Estranho mesmo era o fato de que um deles de vez em quando aparecia em sombras diante do advogado, do juiz, do promotor, do deputado, do empresário e o outro juiz. E eram exatamente estas pessoas que haviam se envolvido mais de perto nas falsas acusações, na prisão e condenação de Paulo. E era este que vinham, aparecendo e sumindo em miragem fantasmagórica.
Ninguém se comentava nada por vergonha e medo, mas verdade é que o juiz encomendou um banho de água benta, mandou celebrar uma missa particular e até visitou alguns terreiros de candomblé. Tinha de afastar aquele pensamento ruim e aquelas visões, afinal de contas um destemido desembargador não poderia temer coisas do outro mundo.
Mas não somente o constante pensamento nos dois e a aparição de um deles atordoavam aquelas pessoas. Vozes eram ouvidas, objetivos se moviam na presença deles, parecia que alguém estava sempre ao lado ou por trás, soprando, sussurrando, falando palavras estranhas e incompreensíveis. Nesta situação, o empresário que tudo fez para acabar com a vida de Paulo, e efetivamente havia conseguido, começou a ter uns ataques de nervos que causavam enormes preocupações aos seus familiares.
Numa noite, enquanto estava numa varanda do seu luxuoso triplex se assustou mais do que o costume ao ouvir, nitidamente, uma voz dizendo que pagaria em dobro tudo que havia feito para condenar e matar um inocente. Deu um grito desesperado, horrivelmente assustador, mas quando a esposa e os empregados correram até lá para ver o que estava acontecendo o homem, o poderoso empresário, já havia pulado do décimo segundo andar.
Ao tomar conhecimento do episódio, o deputado Serapião ficou em tempo de enlouquecer, e por alguns motivos. Primeiro porque já tinha ouvido falar dos problemas que o amigo estava passando, tendo seguidas crises nervosas porque alegava estar sendo perseguido por coisas do outro mundo. E ele também estava, e o medo era chegar também àquele extremo de ter de se matar para fugir às fantasmagóricas perseguições. E segundo, não menos preocupante, era o fato de que o homem havia morrido ainda lhe devendo uma grande quantia em dinheiro. Cobraria da família, mas para isso teria que dizer o porquê do volumoso débito. Coisa difícil de se resolver.
De qualquer modo, seria um convidado a menos na posse e festa do desembargador, que aconteceria dali a dois dias.
continua...
Poeta e cronista
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